Eis, que, de repente, me deparo com a
foto de uma escultura de Bernini, “O rapto de Prosérpina”, segundo me diz a
legenda, na revista Veja, exposta na Vila Borghese, em Roma. Uma olhadela na enciclopédia
me ensina que a heroína é filha de Júpiter e de Ceres, o primeiro, com se sabe,
pai e mestre dos deuses, na Mitologia Latina, a segunda, deusa da Agricultura. O
sem-vergonha, autor do rapto, é um tal de Plutão, que foi, como não podia
deixar de ser, pelo seu péssimo comportamento, rei dos Infernos.
Bem, mas o que eu queria dizer é que,
descontados o exagerado gestual e a dramaticidade das expressões (sem os quais
a obra de arte não passa de um mero retrato) da escultura, os modos do raptor
sacana são tais que dariam inveja aos moçoilos da atualidade. O “cabra da
peste” agarra a coitada da Prosérpina pelas coxas (isso a mão da frente) e
pelos “fundos” (suponho, porque a foto não permite uma visão clara do conjunto)
como se ela fosse um saco de batatas, e vai levando a moça, assim, nem ligando
para os gestos (e, talvez, gritos) desesperados que ela faz, com sua figura
frágil, diante do bruto.
Ora, direis, isso tudo não passa de uma
lenda, e a escultura, ainda por cima, abusa da dramaticidade gestual para,
enfim, tornar suas obras mais palatáveis diante do prezado público. Tudo bem, concordo,
mas eu vos direi, no entanto, que as lendas expressam sentimentos desejáveis,
ainda que não efetivos, de um povo, e que, mesmo o poeta, para cativar o leitor,
precisa rimar seus dizeres, ainda que o dito seja a mais sincera expressão de
seus pensamentos.