Em nosso tempo, de modo geral, a palavra preconceito é usada com um forte matiz acusatório. Isso porque sua referência mais comum diz respeito a discriminações no campo das etnias (preconceito de raça) ou das preferências sexuais. Mas a palavra preconceito tem também um sentido geral, com relação a “escolhas” de modo de vida, hábitos alimentares, crenças, etc. O título acima fala em “preconceitos caiçaras”, mas muitos deles não são exclusividade dessa modalidade cultural litorânea, encontrando contrapartida em muitas regiões brasileiras, ou sul-americanas.
Também é bom ressaltar que muitas pessoas “vivem” esses preconceitos, isto é, cultivam certos hábitos, sem, no entanto, percebê-los como preferências, contrapondo-se aos hábitos de outros grupos sociais, sem pensar neles como discriminatórios, e, até, recusando essa atribuição. É o caso dos preconceitos alimentares, em sua relação com o nível socioeconômico. Existem alimentos de uso maior entre os ricos e outros de uso maior entre os pobres. Mas será que a diferença, aqui, não diz respeito ao “preço” de tais alimentos, que os tornam de aquisição mais fácil para uns, e mais difíceis para outros? Aparentemente, esta seria uma conclusão lógica, mas nem sempre é assim.
Já que falamos em alimento, vamos começar por eles. Aqui, em Iguape, por exemplo, existem produtos de pescaria que já orientam seu consumo, para o pobre ou para o rico, a partir de seu preço. Mas será que o gosto deles acompanha essas preferências? Um rico diria que sim, um pobre ficaria em dúvida. Por exemplo, a manjuba é um peixe “de pobre”, pelo preço, mas isso não quer dizer que seu gosto seja pior que o robalo. Claro que muita gente discordará dessa afirmação, mas será que essa discordância é baseada no gosto ou no preconceito?
Fica a dúvida, mas qualquer assunto humano suscita dúvidas, por isso, vamos partir para as preferências gerais, sem mais discussão. Assim, quanto ao alimento, podemos dizer, de modo geral, que aqueles do pobre são: feijão, caranguejo, siri, farinha de mandioca, banana; e os do rico, arroz, macarrão, alface, tomate, maçã, pera, e frutas importadas em geral. Além disso, como sobremesa, os ricos também comem alfajor argentino, bombons especiais, saladas de fruta com chantili, sorvetes, e muitos pobres nem têm o hábito de comer sobremesa. Pensando em bebidas, então, é fácil ver a diferença, porque o preço delas estabelece a grande divisão de classes. Cachaça boa, licores e whisky custam muito caro, para as finanças do pobre. Mas e o gosto? O rico não preferiria uma bebida boa, mesmo que ela seja barata? Pois é....
Mas há outros campos onde o preconceito impera. Por exemplo, embora a música caipira seja tão interessante e, às vezes, até melhor do que a dos cabarés da capital, nenhum filho de rico se daria ao trabalho de aprender a tocar rabeca, em vez de violão, ou cuíca, em vez de piano. Houve um tempo em que o acordeão ficou na moda, e muitas meninas grã-finas chegaram a aprender a tocá-lo. Mas a onda passou e as dondocas voltaram ao piano e ao violino.
Há modos de vida social, nos quais o preconceito pode ocorrer sem que qualquer das pessoas envolvidas ouse sequer pensar nele ou, muito menos, mencioná-lo. É o caso daquele que ocorre por conta da religião. Antigamente, os festeiros e as festeiras, respectivamente, do Espírito Santo e da Trindade, só eram escolhidos entre as pessoas mais ricas, porque essa posição implicava em despesas com um regabofe de grandes proporções, só possíveis de serem financiados por gente mais ou menos rica. Além disso, os componentes do coral da Igreja, e os dirigentes de algumas irmandades eram também pessoas “de prol”.
Na virada do século XX para o XXI, as seitas pentecostais foram a grande resposta que os pobres deram aos ricos, na sua reivindicação por um lugar social-religioso menos sufocante. Essas seitas cresceram nas grandes cidades por conta da conquista, pelos pobres, de um lugar na classe média, e acabaram sendo um divisor de águas, nas pequenas cidades, entre as pequenas e as grandes contas bancárias. O resultado foi um visível esvaziamento da Igreja Católica, que, por sua vez, procurou uma saída no atendimento preferencial das comunidades carentes. Mas aqui se abre um amplo campo de estudos, que escapa à nossa exiguidade de conhecimento e espaço editorial.