quarta-feira, 22 de março de 2017


                        A “SUCURI”

 

        Agora que já está todo mundo morto, posso falar no assunto. Considero isso História, não falta de respeito. O fato é que se a gente fosse transformar em tabu todo assunto problemático, a História seria uma narrativa cheia de “buracos”, o que dificultaria seu entendimento. Não quero dizer com isso que “meu” assunto tenha esse peso histórico; o argumento foi sacado em função da importância das narrativas em geral, e não na importância “desta” narrativa.

        Eu trabalhava numa farmácia local, quando aconteceu o incidente: o farmacêutico, num gesto mais para o cafajeste do que para o cavalheiro, tinha mostrado a “coisa” para uma cliente, a quem aconselhara, talvez de caso pensado, que deveria receber a injeção nas nádegas, e não no braço, naturalmente sob ponderações de comodidade, ou coisa parecida. Diante do “espetáculo” a moça protestou, não sei como (essa parte eu perdi), e, ainda por cima, comunicou o fato ao noivo.

        Só comecei a ser espectador do drama quando este já ia a meio caminho: vi o noivo da moça invadindo a sala do laboratório da farmácia, com os punhos em riste, ameaçando dar uma sova no farmacêutico atrevido. Eu estava lavando uns frascos, na pia, defronte para o espetáculo, e nem sonhei em interferir, por conta de meus treze anos, frente ao brutamontes. O incidente não durou mais que alguns segundos: o farmacêutico recuava, o noivo afrontado avançava, ameaçador, e eu, com a torneira da pia aberta, as mãos segurando um frasco, era só olhos, sem um pensamento, como se tudo fosse um sonho, daqueles que acontecem, sem que a gente “aconteça” neles.

        Bem, a “coisa” terminou em paz, porque o irmão do rapaz, talvez prevenido por pessoas sensatas (ou mexeriqueiras – como distinguir?), entrou rapidamente na sala do laboratório e segurou o irmão indignado, “salvando a pele” do farmacêutico atrevido. Em termos de ação, tudo terminou por aí, mas a notícia, ou a fofoca, se espalhou vertiginosamente pela cidade. Então, o iguapense, que não perde a oportunidade de uma piada, mudou no nome da “coisa” para “cobra” que, rapidamente, se transformou em “sucuri”. A partir desse dia, por algum tempo, sempre que passava diante de algum brincalhão, eu tive que ouvir a cantilena: “Então, tem visto a sucuri?”

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...