A
“SUCURI”
Agora que já está todo mundo morto,
posso falar no assunto. Considero isso História, não falta de respeito. O fato é
que se a gente fosse transformar em tabu todo assunto problemático, a História
seria uma narrativa cheia de “buracos”, o que dificultaria seu entendimento. Não
quero dizer com isso que “meu” assunto tenha esse peso histórico; o argumento foi
sacado em função da importância das narrativas em geral, e não na importância “desta”
narrativa.
Eu trabalhava numa farmácia local,
quando aconteceu o incidente: o farmacêutico, num gesto mais para o cafajeste do
que para o cavalheiro, tinha mostrado a “coisa” para uma cliente, a quem aconselhara,
talvez de caso pensado, que deveria receber a injeção nas nádegas, e não no
braço, naturalmente sob ponderações de comodidade, ou coisa parecida. Diante do
“espetáculo” a moça protestou, não sei como (essa parte eu perdi), e, ainda por
cima, comunicou o fato ao noivo.
Só comecei a ser espectador do drama quando
este já ia a meio caminho: vi o noivo da moça invadindo a sala do laboratório
da farmácia, com os punhos em riste, ameaçando dar uma sova no farmacêutico
atrevido. Eu estava lavando uns frascos, na pia, defronte para o espetáculo, e
nem sonhei em interferir, por conta de meus treze anos, frente ao brutamontes. O
incidente não durou mais que alguns segundos: o farmacêutico recuava, o noivo
afrontado avançava, ameaçador, e eu, com a torneira da pia aberta, as mãos
segurando um frasco, era só olhos, sem um pensamento, como se tudo fosse um
sonho, daqueles que acontecem, sem que a gente “aconteça” neles.
Bem, a “coisa” terminou em paz, porque o
irmão do rapaz, talvez prevenido por pessoas sensatas (ou mexeriqueiras – como
distinguir?), entrou rapidamente na sala do laboratório e segurou o irmão
indignado, “salvando a pele” do farmacêutico atrevido. Em termos de ação, tudo
terminou por aí, mas a notícia, ou a fofoca, se espalhou vertiginosamente pela
cidade. Então, o iguapense, que não perde a oportunidade de uma piada, mudou no
nome da “coisa” para “cobra” que, rapidamente, se transformou em “sucuri”. A
partir desse dia, por algum tempo, sempre que passava diante de algum brincalhão,
eu tive que ouvir a cantilena: “Então, tem visto a sucuri?”
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