HISTÓRIA (MEIO INVENTADA) DE IGUAPE
Numa propriedade real portuguesa, bem
abaixo da linha do Equador, alguns aventureiros desmazelados, aborrecidos por
trabalhar muito e ganhar pouco no corte do pau encarnado, safaram-se dos
patrões e junto com suas famílias se amoitaram numa praia deserta. Ali, a salvo
do comando de reinóis, do risco de piratas e do peso dos cepos de pau, limparam
o terreno, levantaram choças e ficaram matando o tempo, no bem-bom. Quando dava
na telha, os homens pescavam peixes gordos e plantavam roças anêmicas. Pra
matar o tempo, pitavam cigarros de barba-de-pau, enrolados em palha de milho.
Quando preciso surravam os filhotes com vara de bambu. As mulheres,
cantarolando pela metade músicas arcaicas, lavavam panelas de barro e panos de estamenha
e pariam crianças raquíticas, enrugadas e choramingas; os velhos, sentados em
tocos de árvores, tiravam baforadas azuladas do pito de barro, cuspinhavam nas
formigas marchadeiras e resmungavam.
Num dia incerto chegou a novidade: a
terra não era mais lusitana, agora era castelhana, e ninguém podia continuar
caranguejando pelas praias. Os aventureiros mandriões, as mulheres de
cocoroque, as crianças de nariz sujo e os velhos rabugentos tiveram que sair da
praia e partir para outras bandas, no meio do mato. Caminharam, suaram,
praguejaram e, enfim, acharam um lugar pra moradia, atrás de um morro soberbo
que tinha uma pedra no meio da fachada, feito olho de gigante, e perto de um
rio que vinha de longe. Ali se assentaram, fincaram moirões, levantaram
choupanas e tocaram a vida.
No correr dos anos, a planura vigiada
pelo gigante de olho grande foi-se enchendo de gente e mais gente, que brotava
da floresta braba e dos mares sem fim, feito andorinhas no verão. Mas o verão
desse povo não era feito de sol quente, e sim de promessas de riqueza: no fundo
do rio sonolento, brilhavam tesouros sem fim. E tome ferramentas pra cá e
escravos pra lá, e começou a mariscagem de ouro. O lugarejo cresceu, um padre
surgiu e decretou: “vila de gente cristã tem que ter igreja!”. Então levantaram
a igreja numa praça e todos puderam rezar, batizar os piás e casar no lugar
sagrado. Rezaram tanto e tão bem que, por artes milagrosas, a imagem de um
Santo poderoso surgiu numa praia distante e foi trazida para a vila. Lavada e
entronizada, a imagem se firmou de garantia dos cidadãos, nas suas agruras e
combates.
Isso durou um tempo, até que os
homens de peso acharam que a igreja primeira era pequena demais para a
importância do Santo milagroso e resolveram construir outra, maior. Assim que o
Santo se viu bem tratado, começou a fazer milagres e mais milagres, em favor
dos moradores e forasteiros. O ouro do rio, o arroz das roças e mais as
providências do Santo fizeram a vila prosperar e tomar jeito. Surgiram casarões
de pedra de dois andares, criaram-se clubes e teatros e refinaram-se os
costumes.
Mas, repetindo a desgraça de Babel,
junto com o progresso veio o egoísmo, a vaidade e o desentendimento entre o
povo e, aí, o Santo milagroso parou de ajudar: o ouro sumiu, o curuquerê comeu
o arroz, a manjuba só dá pro gasto, proibiram a colheita do palmito e da
cacheta e as querelas políticas fizeram o resto. A cidade de Iguape, com seus
teatros, cinemas, indústrias e navios virou coisa do passado. Hoje em dia, a
cada nova eleição, o povo reza pro Santo Milagroso, renovando suas esperanças
na volta do Paraíso perdido.
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