quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Crônica, publicada no jornal Tribuna de Iguape (06/2012)



                       O CRU E O COZIDO

       Num tempo remoto, um descuidado homo sapiens deixou cair uma coxa de javali na fogueira em que se aquecia. Com muitos mogangos, salvou o petisco, mas queimou os dedos, e não poupou as pragas da época. Mas, então, percebeu que a coxa do javali recuperada não era a mesma de antes, que ele tinha conquistado a duras penas, na disputa com seus parceiros. Meio escurecida, fumarenta, com um forte e estranho cheiro, num primeiro momento, o Brucutu achou que tinha perdido seu almoço. Entretanto, a fome falou mais alto e, enfrentando o próprio nojo, o desconfiado e primitivo homo sapiens deu umas dentadas na carne quente.
        Foi um momento glorioso em sua vida: naquela dentada, esse antepassado esfomeado e sortudo antecipou a mesma sensação de encanto de um comensal do melhor restaurante de São Paulo, Paris ou Nova York de nossos dias. A carne assada, descoberta por acidente, depois de milênios de sangrentos banquetes, foi o ponto de partida para uma nova era da humanidade. E aquilo que para o “macaco pelado” ancestral foi uma satisfação pessoal, se transformaria numa instituição humana, válida para o resto da Pré-História e História. Logo as fogueiras se multiplicaram pela floresta, não mais só para combater os frios das madrugadas, mas para melhorar o gostinho das carnes de javalis, codornas, raposas e coelhos, passando mais tarde para os cozidos de plantas variadas.
         Aquela descoberta casual, mas decisiva, na evolução social da humanidade, evoluiu de tal maneira que comer deixou de ser apenas a satisfação de uma necessidade vital, e passou a ser um pretexto para festas, assim como estas viraram um pretexto para comilanças, chegando, com o tempo às bacanais mediterrâneas, ao ponto em que a palavra “comer”, de tão valorizada, por um desses malabarismos mentais da semântica, ampliou seu sentido e passou a designar coisas até censuradas em muitos ambientes sociais! Mas essa já é outra história, que talvez possamos abordar numa época oportuna ou, preferivelmente, deixaremos para outro cronista....

         O que eu queria dizer, enfim, é que os antropólogos descobriram que a grande vantagem dos seres humanos, em comparação com seus companheiros irracionais do planeta, é o fato de cozinharem a maioria de seus alimentos. O cozimento desdobra as moléculas das carnes e vegetais em elementos mais simples, mais fáceis de serem aproveitados pelo organismo. Como o cérebro é o encarregado de gerenciar todos os processos orgânicos, o tempo que ele economiza para orientar a digestão dos alimentos pode ser usado no exercício de outras atividades, muito mais úteis o que, em última instância serviu para diferenciá-lo de outras espécies, garantindo-lhe um lugar de relevo, no Reino Animal, desde os tempos remotos. Dessa maneira, no transcorrer dos séculos, foi por conta dessa disponibilidade cerebral que o “homo sapiens” inventou o machado de pedra, a flecha, a roda, a espingarda, as canções de amor, os artigos de jornal e as bobagens do Facebook.

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