O CRU E O COZIDO
Num tempo remoto, um descuidado homo
sapiens deixou cair uma coxa de javali na fogueira em que se aquecia. Com
muitos mogangos, salvou o petisco, mas queimou os dedos, e não poupou as pragas
da época. Mas, então, percebeu que a coxa do javali recuperada não era a mesma de
antes, que ele tinha conquistado a duras penas, na disputa com seus parceiros.
Meio escurecida, fumarenta, com um forte e estranho cheiro, num primeiro
momento, o Brucutu achou que tinha perdido seu almoço. Entretanto, a fome falou
mais alto e, enfrentando o próprio nojo, o desconfiado e primitivo homo sapiens
deu umas dentadas na carne quente.
Foi um momento glorioso em sua vida:
naquela dentada, esse antepassado esfomeado e sortudo antecipou a mesma
sensação de encanto de um comensal do melhor restaurante de São Paulo, Paris ou
Nova York de nossos dias. A carne assada, descoberta por acidente, depois de
milênios de sangrentos banquetes, foi o ponto de partida para uma nova era da
humanidade. E aquilo que para o “macaco pelado” ancestral foi uma satisfação
pessoal, se transformaria numa instituição humana, válida para o resto da
Pré-História e História. Logo as fogueiras se multiplicaram pela floresta, não mais
só para combater os frios das madrugadas, mas para melhorar o gostinho das
carnes de javalis, codornas, raposas e coelhos, passando mais tarde para os
cozidos de plantas variadas.
Aquela descoberta casual, mas
decisiva, na evolução social da humanidade, evoluiu de tal maneira que comer
deixou de ser apenas a satisfação de uma necessidade vital, e passou a ser um
pretexto para festas, assim como estas viraram um pretexto para comilanças,
chegando, com o tempo às bacanais mediterrâneas, ao ponto em que a palavra
“comer”, de tão valorizada, por um desses malabarismos mentais da semântica, ampliou
seu sentido e passou a designar coisas até censuradas em muitos ambientes
sociais! Mas essa já é outra história, que talvez possamos abordar numa época
oportuna ou, preferivelmente, deixaremos para outro cronista....
O que eu queria dizer, enfim, é que os
antropólogos descobriram que a grande vantagem dos seres humanos, em comparação
com seus companheiros irracionais do planeta, é o fato de cozinharem a maioria
de seus alimentos. O cozimento desdobra as moléculas das carnes e vegetais em
elementos mais simples, mais fáceis de serem aproveitados pelo organismo. Como
o cérebro é o encarregado de gerenciar todos os processos orgânicos, o tempo
que ele economiza para orientar a digestão dos alimentos pode ser usado no
exercício de outras atividades, muito mais úteis o que, em última instância
serviu para diferenciá-lo de outras espécies, garantindo-lhe um lugar de
relevo, no Reino Animal, desde os tempos remotos. Dessa maneira, no transcorrer
dos séculos, foi por conta dessa disponibilidade cerebral que o “homo sapiens”
inventou o machado de pedra, a flecha, a roda, a espingarda, as canções de amor,
os artigos de jornal e as bobagens do Facebook.
Nenhum comentário:
Postar um comentário