quarta-feira, 13 de março de 2013

LEMBRANÇAS DE UMA GUERRA INGRATA


          Em fins de 1969, um grupo de militantes da VPR - Vanguarda Popular Revolucionária - e de outras Organizações revolucionárias de resistência à ditadura militar, instalada cinco anos antes, foi deslocado para uma área no Vale do Ribeira, Estado de São Paulo. Cumpriam uma determinação da Organização, comandada pelo Capitão Carlos Lamarca, e de parte da esquerda armada brasileira de não enviar militantes para treinar em Cuba, como faziam outros agrupamentos revolucionários. Durante vários meses o campo de treinamento formou alguns dos melhores quadros militares da esquerda armada, como preparação da futura luta armada rural, já que até ali a resistência acontecia apenas nas cidades.
          A escolha do Vale do Rio Ribeira foi determinada por Carlos Lamarca, que em seus tempos de Capitão do Exército fazia treinamento anti-guerrilha naquela área. Conhecia como ninguém a região e sabia que as matas do Vale eram suficientemente densas para servir de modelo das florestas brasileiras.
O grupo original de treinamento era composto por dezoito militantes, divididos em dois destacamentos distintos, que contavam com o apoio de alguns militantes baseados em cidades da região. Esses militantes nas cidades serviam de ponte de comunicação com a organização fora do Vale, forneciam informações e conseguiam comida, roupas, armamento e munição.
          Em começos de 1970, várias prisões de militantes colocaram em risco a localização do campo. O sequestro do Cônsul Geral do Japão em São Paulo, Nobuo Ogushi, foi uma tentativa de evitar que o campo de treinamento fosse descoberto. A VPR realizou a ação com a cooperação da REDE (Resistência Democrática), liderada por Eduardo Leite (Bacuri) e MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes), liderado por Devanir José de Carvalho (Henrique) para salvar a vida de Shizuo Ozawa (Mário Japa), um dos líderes da VPR, capturado dias antes e torturado terrivelmente pelo delegado Sérgio Fleury e depois pela OBAN/DOI-Codi do II Exército. Além de tentar salvar sua vida, a esquerda tentava proteger a existência do campo de treinamento guerrilheiro do Vale do Ribeira, que era do conhecimento de Ozawa.
          O processo de repressão continuou feroz e vários militantes foram capturados. Um deles, Celso Lungareti, não suportou os muitos dias de torturas brutais e deu indícios da existência e da localização. Ao cruzar informações fornecidas por outros militantes presos, a repressão detectou que um campo militar treinava guerrilheiros a menos de cem quilômetros de São Paulo, a maior cidade do país. A ditadura militar mobilizou todos os recursos e esforços para reprimir o que acreditava ser o cerco militar da capital industrial do país pelos guerrilheiros de Lamarca, inimigo particular dos militares, por sua condição de capitão, que abandonou a farda para lutar contra os golpistas de 64.
           Pelos relatórios do exército, é possível verificar a importância dada à repressão ao movimento guerrilheiro e a ferocidade da ação militar, que não perdoou vacilações de seus soldados e oficiais e baixou a violência aos níveis mais cruéis. Pelos documentos da VPR e a entrevista de Carlos Lamarca, dada na clandestinidade a jornais europeus, é possível entender um pouco do modo de ação e compreensão histórica da esquerda brasileira naquele momento.
          O que era apenas um campo de treinamento de guerrilheiros, acabou por se transformar em um enfrentamento direto e numa experiência guerrilheira não derrotada, visto que aplicou baixas consideráveis à ditadura, desmoralizou o poderio militar reinante. Sem dúvida alguma, a experiência do Vale do Ribeira é marcante para a luta contra a ditadura militar, implantada em 1964 através de um golpe de estado.

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