Em fins de 1969,
um grupo de militantes da VPR - Vanguarda Popular Revolucionária - e de outras
Organizações revolucionárias de resistência à ditadura militar, instalada cinco
anos antes, foi deslocado para uma área no Vale do Ribeira, Estado de São
Paulo. Cumpriam uma determinação da Organização, comandada pelo Capitão Carlos
Lamarca, e de parte da esquerda armada brasileira de não enviar militantes para
treinar em Cuba, como faziam outros agrupamentos revolucionários. Durante
vários meses o campo de treinamento formou alguns dos melhores quadros
militares da esquerda armada, como preparação da futura luta armada rural, já
que até ali a resistência acontecia apenas nas cidades.
A escolha do Vale
do Rio Ribeira foi determinada por Carlos Lamarca, que em seus tempos de Capitão
do Exército fazia treinamento anti-guerrilha naquela área. Conhecia como
ninguém a região e sabia que as matas do Vale eram suficientemente densas para
servir de modelo das florestas brasileiras.
O grupo original de treinamento era composto por dezoito
militantes, divididos em dois destacamentos distintos, que contavam com o apoio
de alguns militantes baseados em cidades da região. Esses militantes nas
cidades serviam de ponte de comunicação com a organização fora do Vale,
forneciam informações e conseguiam comida, roupas, armamento e munição.
Em começos de
1970, várias prisões de militantes colocaram em risco a localização do campo. O
sequestro do Cônsul Geral do Japão em São Paulo, Nobuo Ogushi, foi uma
tentativa de evitar que o campo de treinamento fosse descoberto. A VPR realizou
a ação com a cooperação da REDE (Resistência Democrática), liderada por Eduardo
Leite (Bacuri) e MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes), liderado por
Devanir José de Carvalho (Henrique) para salvar a vida de Shizuo Ozawa (Mário
Japa), um dos líderes da VPR, capturado dias antes e torturado terrivelmente
pelo delegado Sérgio Fleury e depois pela OBAN/DOI-Codi do II Exército. Além de
tentar salvar sua vida, a esquerda tentava proteger a existência do campo de
treinamento guerrilheiro do Vale do Ribeira, que era do conhecimento de Ozawa.
O processo de repressão continuou feroz
e vários militantes foram capturados. Um deles, Celso Lungareti, não suportou
os muitos dias de torturas brutais e deu indícios da existência e da
localização. Ao cruzar informações fornecidas por outros militantes presos, a
repressão detectou que um campo militar treinava guerrilheiros a menos de cem
quilômetros de São Paulo, a maior cidade do país. A ditadura militar mobilizou
todos os recursos e esforços para reprimir o que acreditava ser o cerco militar
da capital industrial do país pelos guerrilheiros de Lamarca, inimigo
particular dos militares, por sua condição de capitão, que abandonou a farda
para lutar contra os golpistas de 64.
Pelos relatórios do exército, é possível
verificar a importância dada à repressão ao movimento guerrilheiro e a
ferocidade da ação militar, que não perdoou vacilações de seus soldados e
oficiais e baixou a violência aos níveis mais cruéis. Pelos documentos da VPR e
a entrevista de Carlos Lamarca, dada na clandestinidade a jornais europeus, é
possível entender um pouco do modo de ação e compreensão histórica da esquerda
brasileira naquele momento.
O que era apenas
um campo de treinamento de guerrilheiros, acabou por se transformar em um
enfrentamento direto e numa experiência guerrilheira não derrotada, visto que
aplicou baixas consideráveis à ditadura, desmoralizou o poderio militar
reinante. Sem dúvida alguma, a experiência do Vale do Ribeira é marcante para a
luta contra a ditadura militar, implantada em 1964 através de um golpe de
estado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário