Houve uma época em que Hitler era considerado um grande
estadista, não havendo estranheza que houvesse sido escolhido para “chanceler”,
na Alemanha dos anos 30, nem que o Papa Pio XII lhe tivesse feito uma visita de
cortesia, com muito tapete vermelho e salamaleques de estilo. Stalin também foi
elogiadíssimo nos jornais ocidentais, durante a II Guerra Mundial, como
comandante supremo da Rússia, na luta contra os nazistas (os vilões de então).
Quando eu era aluno da escola primária, Getúlio Vargas era o centro de um culto
patriótico de fazer inveja a Mussolini.
O que eu quero dizer, enfim, é que Machado de Assis
tinha razão: “ao vencedor, as batatas!” Nos anos 30, quando Getúlio Vargas era
o maioral, na política brasileira, tudo o que havia de bom, no país, lhe era
atribuído, como sua dádiva ao povo. Toda sujeira que aparecia, era jogada para
baixo do tapete. Não se podia manchar o nome de um homem que representava a
redenção do povo brasileiro, que comandara uma revolução contra o baronato do
“café com leite”, paulista e mineiro. Seu retrato estava pendurado em todos os
edifícios públicos, mesmo nas escolas.
A revista Piauí de Julho traz um interessante artigo de
Lira Neto sobre as armações político-belicosas da família Vargas (com Benjamin à
frente), na fronteira Brasil/Uruguai/Argentina, muito próximo à fazenda da família
do ditador. Tratava-se de uma ajuda, com capangas armados (o famoso Gregório, guarda-costas
da família, no meio), a um grupo subversivo argentino que disputava o poder,
com o governo platino constituído. O lado político me pareceu o menos
importante. Chocante foi o comportamento do Benjamin Vargas (dito Beijo – irmão
de Getúlio) e de Gregório, em vários episódios que rivalizavam em audácia e
crueldade, com aqueles lances cinematográficos da Máfia italiana, nos filmes
americanos. Assassinatos e latrocínios eram perpetrados como se fossem uma rotina
nos hábitos do clã gaúcho.
Confrontando esses acontecimentos secretos da família
do Ditador (dos quais ele lavava as mãos, quando não davam certo) com a imagem
que tínhamos dele, na época, parece que estamos falando de personagens bem
diferentes. Não é à toa que, no episódio posterior, do atentado a Lacerda,
muitos de nós tenhamos ficado, ou neutros, aguardando esclarecimentos, pois era
difícil acreditar que Getúlio estivesse implicado no caso (Gregório ficou com a
culpa como se sabe), ou achando que tudo aquilo era uma fantasia paranoica de
Carlos Lacerda.
O que eu quero dizer, afinal, é o seguinte: há sempre,
em nós, uma tendência a duvidar (ou minimizar) das sacanagens promovidas pelos
poderosos. Aquela aura divina que, segundo a visão dos contemporâneos, pairava
sobre os reis medievais, continua a brilhar sobre nossos dirigentes, quando no
poder. Isso os torna isentos do pecado: toda culpa logo escorrega pela lateral
e recai sobre seus subalternos, sempre dispostos a sofrer as injúrias e
castigos, por conta da garantia de sua permanência nas sinecuras conquistadas.
O tempo passa, mas os paradigmas comportamentais, em
política, resistem à experiência e ao esclarecimento histórico. O poder sempre garante
aos seus detentores essa inocência que parece ser aquela aura divina, atribuída
aos patriarcas e reis medievais ou dos tempos bíblicos. Não adianta que as evidências
joguem contra. O Mensalão, a amante em cargo republicano de responsabilidade e
companheira de viagens internacionais, a capitalização de empresa de membro da
família, o enriquecimento visível e publicado, tudo se tolera, pelo menos
enquanto dura o cetro na mão e a coroa na cabeça. A denúncia, a prova, a evidência,
nada podem contra esse poder. A verdade tem que aguardar a passagem do tempo,
para emergir do oceano de mentiras.
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