segunda-feira, 28 de abril de 2014

HISTÓRIAS DO VALE


 


 AS BOLINHAS DE VIDRO


 

O casal de lavradores, Agostinho e Brígida, vivia num sítio no bairro do Subaúma. Inesperadamente, seu primeiro e único filho, Dioguinho, desapareceu. Aflitos, os dois bateram perna por toda a região, pediram ajuda aos vizinhos, vieram à Vila de Iguape, rezar e fazer promessa ao Senhor Bom Jesus. Debalde. Aos poucos, com cuidado para não aumentar a angústia dos pais, os amigos sugeriram que o filho talvez tivesse sido levado pelos índios. Os silvícolas da região, que andavam em pequenos grupos, eram pacíficos e não raptavam crianças, mas não impediam que elas se incorporassem ao seu bando, quando as encontravam vagando pela mata. Agostinho e Brígida não se resignaram com essa possibilidade, mas se consolaram com o pensamento de que seu filho podia ainda estar vivo.

        Passaram-se anos. Aos poucos, a tristeza do casal esmaeceu e a alegria retornou ao seu lar, com o nascimento de mais dois filhos. Um dia, um caçador e andarilho, hospedado no rancho, falou sobre um moço índio esbranquiçado, de olhos claros, que encontrara perto de Cananéia. Agostinho sentiu seu coração acelerar, Brígida, para espanto do visitante, pôs-se a chorar. Esclarecidos os motivos da emoção, o lavrador pediu mais dados ao informante. Segundo este, o estranho índio parecia fazer parte de um grupo arranchado perto daquela vila. Agostinho não perdeu tempo. No dia seguinte, pela manhã, embarcou em sua canoa e rumou para Cananéia. Na pequena vila, conversou, perguntou e, por fim, foi informado sobre a existência de uma pequena aldeia de índios, na Ilha do Cardoso. Esse grupo de índios, que surgira há alguns anos, passou pelos arredores de Cananéia e atravessou o canal, fixando-se naquele local.  Muitos deles apareciam, de vez em quando na cidade, para trocar produtos de artesanato por mantimentos. Pelo que foi observado, eram índios mansos.   

        Agostinho pernoitou na Vila e, no dia seguinte, embarcou na canoa, e atravessou o canal. O pequeno grupo de índios tinha construído seu acampamento no modo usual, ocupando apenas três cabanas grandes. A figura do lavrador não causou qualquer estranheza entre eles. Era comum aparecerem ali pessoas interessadas em seus objetos, levando também produtos para troca. Agostinho foi caminhando e cumprimentando, como movimentos da cabeça, os homens que se espalhavam entre as cabanas, conversando ou confeccionando artefatos. Logo chamou sua atenção um grupo de rapazes, praticando uma espécie de luta, num descampado.

No meio daqueles jovens acobreados, foi fácil descobrir o rapaz de pele clara, embora queimada de sol, sentado num tronco de árvore, rindo com seus amigos. Agostinho aproximou-se do grupo e, por alguns momentos, fingiu interessar-se pelas lutas, sentado ao lado do rapaz. Falou algumas palavras, mas ele não demonstrou ter entendido. Então o lavrador, por meio de gestos, com a eloqüência dos simples, convidou o rapaz a acompanhá-lo, insinuando que lhe queria mostrar alguma coisa, num lugar um pouco longe dali.      

O rapaz hesitou um pouco, mas levantou e acompanhou o lavrador. Ao passar por um índio idoso, ele falou alguma coisa, apontando para Agostinho. O chefe índio, depois de um olhar ao visitante, pareceu concordar e o rapaz o seguiu. Os dois entraram na canoa e vieram para Subaúma. Durante a viagem, o rapaz manteve silêncio, só quebrado, de vez em quando, por uma observação alegre sobre um pássaro que voava ou um peixe que saltava nas águas. Assim que aportaram e saíram para terra, Agostinho se adiantou um pouco à frente do moço e sussurrou à mulher que espreitava os dois, trêmula, à porta do rancho:

        - Não faça, nem fale nada, só espere!

        O índio chegou, encarou impassível a mulher que o fitava, ansiosa, e aceitou o convite gesticulado para entrar. Correu o olhar distraído pelo interior do rancho e, de repente, parou, tenso. Bruscamente, sem dizer palavra, caminhou na direção do fogão de tijolos, ajoelhou-se ao lado dele, perto da parede de taipa, procurando alguma coisa. Logo levantou e, com um brilho de surpresa e alegria nos olhos, encarou seus hospedeiros, exibindo nas mãos meia dúzia de bolinhas de vidro. Agostinho e Brígida, com as mãos cobrindo o rosto, riam e choravam: o moço “índio” redescobrira, enfim, sua infância e seu antigo lar no esconderijo de seus brinquedos. O casal de sitiantes reencontrara, finalmente, o seu Dioguinho!

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