AS BOLINHAS DE VIDRO
O
casal de lavradores, Agostinho e Brígida, vivia num sítio no bairro do Subaúma.
Inesperadamente, seu primeiro e único filho, Dioguinho, desapareceu. Aflitos,
os dois bateram perna por toda a região, pediram ajuda aos vizinhos, vieram à
Vila de Iguape, rezar e fazer promessa ao Senhor Bom Jesus. Debalde. Aos
poucos, com cuidado para não aumentar a angústia dos pais, os amigos sugeriram
que o filho talvez tivesse sido levado pelos índios. Os silvícolas da região, que
andavam em pequenos grupos, eram pacíficos e não raptavam crianças, mas não
impediam que elas se incorporassem ao seu bando, quando as encontravam vagando
pela mata. Agostinho e Brígida não se resignaram com essa possibilidade, mas se
consolaram com o pensamento de que seu filho podia ainda estar vivo.
Passaram-se anos. Aos poucos, a tristeza do casal esmaeceu e
a alegria retornou ao seu lar, com o nascimento de mais dois filhos. Um dia, um
caçador e andarilho, hospedado no rancho, falou sobre um moço índio
esbranquiçado, de olhos claros, que encontrara perto de Cananéia. Agostinho sentiu
seu coração acelerar, Brígida, para espanto do visitante, pôs-se a chorar. Esclarecidos
os motivos da emoção, o lavrador pediu mais dados ao informante. Segundo este, o
estranho índio parecia fazer parte de um grupo arranchado perto daquela vila.
Agostinho não perdeu tempo. No dia seguinte, pela manhã, embarcou em sua canoa
e rumou para Cananéia. Na pequena vila, conversou, perguntou e, por fim, foi
informado sobre a existência de uma pequena aldeia de índios, na Ilha do
Cardoso. Esse grupo de índios, que surgira há alguns anos, passou pelos
arredores de Cananéia e atravessou o canal, fixando-se naquele local. Muitos deles apareciam, de vez em quando na
cidade, para trocar produtos de artesanato por mantimentos. Pelo que foi
observado, eram índios mansos.
Agostinho pernoitou na Vila e, no dia seguinte, embarcou na canoa,
e atravessou o canal. O pequeno grupo de índios tinha construído seu
acampamento no modo usual, ocupando apenas três cabanas grandes. A figura do
lavrador não causou qualquer estranheza entre eles. Era comum aparecerem ali pessoas
interessadas em seus objetos, levando também produtos para troca. Agostinho foi
caminhando e cumprimentando, como movimentos da cabeça, os homens que se
espalhavam entre as cabanas, conversando ou confeccionando artefatos. Logo chamou
sua atenção um grupo de rapazes, praticando uma espécie de luta, num
descampado.
No
meio daqueles jovens acobreados, foi fácil descobrir o rapaz de pele clara,
embora queimada de sol, sentado num tronco de árvore, rindo com seus amigos. Agostinho
aproximou-se do grupo e, por alguns momentos, fingiu interessar-se pelas lutas,
sentado ao lado do rapaz. Falou algumas palavras, mas ele não demonstrou ter
entendido. Então o lavrador, por meio de gestos, com a eloqüência dos simples,
convidou o rapaz a acompanhá-lo, insinuando que lhe queria mostrar alguma
coisa, num lugar um pouco longe dali.
O
rapaz hesitou um pouco, mas levantou e acompanhou o lavrador. Ao passar por um
índio idoso, ele falou alguma coisa, apontando para Agostinho. O chefe índio,
depois de um olhar ao visitante, pareceu concordar e o rapaz o seguiu. Os dois
entraram na canoa e vieram para Subaúma. Durante a viagem, o rapaz manteve silêncio,
só quebrado, de vez em quando, por uma observação alegre sobre um pássaro que
voava ou um peixe que saltava nas águas. Assim que aportaram e saíram para
terra, Agostinho se adiantou um pouco à frente do moço e sussurrou à mulher que
espreitava os dois, trêmula, à porta do rancho:
- Não faça, nem fale nada, só espere!
O índio chegou, encarou impassível a mulher que o fitava,
ansiosa, e aceitou o convite gesticulado para entrar. Correu o olhar distraído
pelo interior do rancho e, de repente, parou, tenso. Bruscamente, sem dizer palavra,
caminhou na direção do fogão de tijolos, ajoelhou-se ao lado dele, perto da
parede de taipa, procurando alguma coisa. Logo levantou e, com um brilho de
surpresa e alegria nos olhos, encarou seus hospedeiros, exibindo nas mãos meia
dúzia de bolinhas de vidro. Agostinho e Brígida, com as mãos cobrindo o rosto,
riam e choravam: o moço “índio” redescobrira, enfim, sua infância e seu antigo
lar no esconderijo de seus brinquedos. O casal de sitiantes reencontrara,
finalmente, o seu Dioguinho!
Nenhum comentário:
Postar um comentário