"O dia em que a Presidenta Dilma em 10 minutos
cuspiu no
rosto de 370.000 médicos brasileiros."
"Há alguns meses eu
fiz um plantão que chorei. Não contei à ninguém (é nada fácil compartilhar isso
numa mídia social). Eu, cirurgiã-geral, "do trauma", médica
"chatinha", preceptora "bruxa", que carrego no carro o manual
da equipe militar cirúrgica americana que atendia no Afeganistão, chorei.
Na frente da sala da sutura tinha um paciente idoso
internado. Numa cadeira. Com o soro pendurado na parede num prego similar aos
que prendemos plantas (diga-se: samambaias). Ao seu lado, seu filho. Bem
vestido. Com fala pausada, calmo e educado. Como eu. Como você. Como nós.
Perguntava pela possibilidade de internação do seu pai numa maca, que estava há
mais de um dia na cadeira. Ia desmaiar. Esperou, esperou, e toda vez que abria
a portinha da sutura ele estava lá. Esperando. Como eu. Como você.
Como nós. Teve um momento que ele desmoronou. Se
ajoelhou no chão, começou a chorar, olhou para mim e disse "não é para
mim, é para o meu pai, uma maca". Como eu faria. Como você. Como nós.
Pensei "meu deus do céu, com todos que passam
aqui, justo eu... Nãoooo..... Porque se
chorar eu choro, se falar do seu pai eu choro, se me der um desafio vou brigar
com 5 até tirá-lo daqui".
E saí, chorei, voltei, briguei e o coloquei numa maca
retirada da ala feminina.
Já levei meu pai para fazer exame no meu HU. O
endoscopista quando soube que era meu pai, disse "por que não me falou,
levava no privado, Juliana!" Não precisamos, acredito nas pessoas que
trabalham comigo. Que me ensinaram e ainda ensinam. Confio. Meu irmão precisou
e o levei lá. Todos os nossos médicos são de hospitais públicos que conhecemos,
e, se não os usamos mais, é porque as instituições públicas carecem. Carecem e padecem de leitos, aparelhos,
materiais e medicamentos.
Uma vez fiz um risco cirúrgico e colhi sangue no meu
hospital universitário. No consultório de um professor ele me pergunta: "e
você confia?".
"Se confio para os meus pacientes tenho que
confiar para mim."
Eu pratico a medicina. Ela pisa em mim alguns dias, me
machuca, tira o sono, dá rugas, lágrimas, mas eu ainda acredito na medicina. Me
faz melhor. Aprendo, cresço, me torna humana. Se tenho dívidas, pago-as assim. Faço
porque acredito.
Nesses últimos dias de protestos nas ruas e nas mídias
brigamos por um país melhor. Menos corrupto. Transparente. Menos populista. Com
mais qualidade. Com mais macas. Com hospitais melhores, mais equipamentos e que
não faltem medicamentos. Um SUS melhor.
Briguei pelo filho do paciente ajoelhado. Por todos os
meus pacientes. Por mim. Por você. Por nós. O SUS é nosso.
Não tenho palavras para descrever o que penso da
"Presidenta" Dilma. Mas hoje, por mim, por você, pelo meu paciente na
cadeira, eu a ouvi. A ouvi dizendo que escutou "o povo democrático
brasileiro". Que escutou que queremos educação, saúde e segurança de
qualidades.
"Qualidade"... Ela disse. E disse que
importará médicos para melhorar a saúde do Brasil....
Para melhorar a qualidade....?
Sra. "presidenta", eu sou uma médica de
qualidade. Meus pais são médicos de qualidade. Meus professores são médicos de
qualidade. Meus amigos de faculdade. Meus colegas de plantão. O médico
brasileiro é de qualidade.
Os seus hospitais é que não são. O seu SUS é que não
tem qualidade. O seu governo é que não tem qualidade.
O dia em que a Sra. "presidenta" abrir uma
ficha numa UPA, for internada num Hospital Estadual, pegar um remédio na fila
do SUS e falar que isso é de qualidade, aí conversaremos.
Não cuspa na minha cara, não pise no meu diploma. Não
me culpe da sua incompetência.
Somos quase 400mil, não nos ofenda. Estou amanhã de
plantão, abra uma ficha, eu te atendo.
Não demora, não. Não faltam médicos, mas não garanto
que tenha onde sentar.
Afinal, a cadeira é prioridade dos internados.
Hoje, eu chorei de novo."
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