Dilma, deixa eu te falar uma coisa!
- Fernanda Melo, médica, moradora e trabalhadora de Cabo Frio, cidade
da baixada litorânea do estado do Rio de Janeiro:
- Este ano completo
7 anos de formada pela Universidade Federal Fluminense e desde então, por opção
de vida, trabalho no Interior. Inclusive hoje, não moro mais num grande centro.
- Já trabalhei em
cada canto!!!
- Você não sabe o
que eu já vi e vivi, não só como médica, mas como cidadã brasileira.
- Já tive que
comprar remédio com meu dinheiro, porque a mãe da criança só tinha R$ 2,00 para
comprar o pão.
- Por que comprei?
- Porque não tinha
vaga no hospital para internar e eu já tinha usado todos os espaços possíveis
(inclusive do corredor!) para internar os mais graves.
- Você sabe o que é
“puxadinho”?
- Agora, já viu
dentro de enfermaria? Pois é, eu já vi. E muitos. Sabe o que é mãe e filho
dormirem na mesma maca porque simplesmente não havia espaço para sequer uma
cadeira?
- Já viu macas tão
grudadas, mas tão grudadas, que na hora da visita médica era necessário chamar
um por um para o consultório porque era impossível transitar na enfermaria?
- Já trabalhei num
local em que tive que autorizar que o familiar trouxesse comida (não tinha, ora
bolas!) e já trabalhei em outro que lotava na hora do lanche (diga-se refresco
ralo com biscoito de péssima qualidade) que era distribuído aos que aguardavam
na recepção.
- Já esperei 12
horas por um simples hemograma. Já perdi o paciente antes de conseguir uma mera
ultrassonografia. Já vi luva descartável ser reciclada. Já deixei de conseguir
vaga em UTI pra doente grave porque eu não tinha um exame complementar que
justificasse o pedido.
- Já fui ambuzando
um prematuro de 1Kg (óbvio, a mãe não tinha feito pré-natal!) por 40 Km para
vê-lo morrer na porta do hospital sem poder fazer nada. - A ambulância não
tinha nada...
- Tem mais, calma!
Já tive que escolher direta ou indiretamente quem deveria viver. E morrer...
- Já ouvi muito
desaforo de paciente, revoltando com tanto descaso e que na hora da raiva,
desconta no médico, como eu, como meus colegas, na enfermeira, na
recepcionista, no segurança, mas nunca em você.
- Já ouviu alguém
dizer na tua cara: meu filho vai morrer e a culpa é tua? Não, né?
- E a culpa nem era
minha, mas era tua, talvez. Ou do teu antecessor. Ou do antecessor dele...
- Já vi gente
morrer! Óbvio, médico sempre vê gente morrendo, mas de apendicite, porque não
tinha centro cirúrgico no lugar, nem ambulância pra transferir, nem vaga em
outro hospital?
- Agonizando, de
insuficiência respiratória, porque não tinha laringoscópio, não tinha tubo, não
tinha respirador?
- De sepse, porque
não tinha antibiótico, não tinha isolamento, não tinha UTI?
- A gente é
preparada pra ver gente morrer, mas não nessas condições.
- Ah Dilma, você
não sabe mesmo o que eu já vi! Mas deixa eu te falar uma coisa: trazer médico
de Cuba, de Marte ou de qualquer outro lugar, não vai resolver nada!
- E você sabe bem
disso.
- Só está tentando
enrolar a gente com essa conversa fiada. É tanto descaso, tanta carência, tanto
despreparo...
- As pessoas
adoecem pela fome, pela sede, pela falta de saneamento e educação e quando
procuram os hospitais, despejam em nós todas as suas frustrações, medos,
incertezas...
- Mas às vezes eu não tenho luva e fio pra
fazer uma sutura, o que dirá uma resposta para todo esse sofrimento!
- O problema do
interior não é falta de médico. É falta de estrutura, de interesse, de vergonha
na cara. Na tua cara e dessa corja que te acompanha!
- Não é só salário
que a gente reivindica. Eu não quero ganhar muito num lugar que tenha que
fingir que faço medicina. E acho que a maioria dos médicos brasileiros também
não.
- Quer um conselho?
- Pare de falar
besteira em rede nacional e admita: já deu pra vocês!
- Eu sei que na
hora do desespero, a gente apela, mas vamos combinar, você abusou!
- Se você não sabe
ser "presidenta", desculpe-me, mas eu sei ser médica, mas por conta
da incompetência de vocês, não estou conseguindo exercer minha função com
louvor!
- Não sei se isso vai chegar até você, mas já valeu pelo
desabafo!
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