Fico admirado com a repercussão jornalística e popular
dos escândalos promovidos por servidores públicos brasileiros, nos últimos
tempos. Tudo é apresentado como se fosse uma grande novidade. Tenho vontade, até,
de publicar uma matéria paga, em todos os jornais, avisando que o que está
acontecendo não é exceção, mas regra. Nem o caso do mensalão é estranho, pois
desde Tomé de Sousa que o Palácio do Governo tem sido um local bastante
frequentado por interesses escusos.
Mas para não avançar na seara alheia, vou narrar experiências
pessoais. Houve um tempo em que eu tive empresa em São Paulo. Como era uma
pequena empresa, não usava despachantes, mas eu mesmo fazia o necessário, junto
às repartições públicas, para colocar as coisas em dia. Pois bem, eu nunca
consegui um carimbo, uma aprovação, um arquivamento, em nenhuma repartição pública,
sem a gorjeta ao funcionário do balcão de atendimento. Se não desse a gorjeta,
o despacho iria durar quinze dias ou mais; com a gorjeta, tudo era feito na
hora.
E o leitor pensa que isso era feito sem a anuência do
chefe maior? Doce ilusão: parte da gorjeta era exatamente encaminhada aos escalões
superiores. E isso era feito à luz do dia, e ninguém estranhava, como se aquilo
fosse um trâmite inevitável, uma lei não escrita. Houve casos em que o “cara do
guichê” nem aceitava a entrada dos papéis, pois isso devia ser feito pelo
despachante, amigo ou sócio, do diretor.
Quanto a este último exemplo, houve um caso mais
escabroso, ainda, pelo fato de que o envolvido era um homem da Lei. Fui a uma
delegacia para solicitar “atestado de residência”. A exigência desse documento,
por si já era uma absurdo, parece-me que já foi extinta. Pois bem, o atendente,
na delegacia, me disse que o documento demoraria quinze dias. Eu não precisava
provar nada sobre minha afirmação de morar em tal ou tal lugar, mas tinha que
esperar quinze dias. Expliquei que precisava do papel para o dia seguinte, então
ele me indicou um escritório de despachante (o inevitável despachante) que era
bem em frente ao prédio da delegacia. Fui lá e, mediante o pagamento de 50
cruzeiros (ou coisa parecida, o dinheiro brasileiro muda tanto de nome que não
lembro mais) tive a redação pronta do atestado, que assim recebeu o aval do
delegado (sócio-fantasma do despachante, naturalmente), em menos de dez
minutos. Eu disse “delegado”, o leitor notou? Delegado, no “mundo civilizado” é
aquele que prende os malandros, não o que comete malandragens.
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