Em Iguape, existe um vereador que leu Borges. Duvidam? Entendo
sua dúvida, mas é a pura verdade. A dúvida é justa, Borges não é pra qualquer
um, não é uma leitura comum, assim como Chalita ou aquele autor, de que não lembro
o nome, que escreveu sobre “não sei quantos tons de cinza!” Pelo contrário, Borges
pode ser comparado a Goethe ou Shakespeare. É quase certeza que o tal vereador
também conhece estes últimos autores, citados à guisa de exemplos. O que não é
pouco, aliás, é muito, eles estão nos cânones de todos os modernos críticos de
literatura.
Mas como é que veio parar em Iguape um político que leu
Borges? Que correntes de vento ou maré obrigaram esse prodígio a pousar nesta
cidade, perdida nos confins do litoral paulista? Só Deus sabe! A verdade é que
ele chegou com um sonho, (I have a dream!), como aquele pastor que pretendia
alcançar a redenção dos negros americanos. O nosso vereador, leitor de Borges, talvez
quisesse a redenção dos cidadãos iguapenses, não sei bem em que sentido, mas
devia ser com boas intenções.
“Borges é um desses casos de escritor gigante ante quem
qualquer aproximação resulta insuficiente!”, diz um de seus biógrafos e
divulgadores, Marcos R. Barnatán (que o tal vereador, não duvidem, também deve
conhecer). Só para que o leitor, que, como muita gente boa, inclusive
vereadores do Vale do Ribeira, talvez não conheça Borges, tenha uma ideia do
que estamos falando, este prodigioso argentino, com 8 (oito) anos de idade,
escreveu, em inglês, um ensaio sobre mitologia grega. Imaginem o que ele
escreveu em sua longa vida.
Daí que, conhecer Borges não é uma coisa qualquer:
constitui-se numa qualidade rara, mais que desejada, por quem se quer culto, “estar
por dentro” das coisas da vida, mormente das coisas sul-americanas. Mas o que
interessa isso para a vereança numa cidadezinha perdida no litoral paulistano? É
mesmo, agora me conscientizo de que estou devaneando. O que Borges tem a ver
conosco? A pergunta parece pertinente, mas não é. E vou dizer por quê: quem leu
Borges dá a pista de que já leu muitas outras coisas. Borges é a “joia da coroa”,
aquele “plus ultra”, para uma cultura que se completa, que se consolida. Talvez
esse vereador iguapense tenha “chegado lá”, e nós não o acompanhamos, não
sabemos o quanto vale uma pessoa que lê, que busca a cultura, que vai até onde é
possível alcançar, no aperfeiçoamento de si próprio.
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