domingo, 25 de maio de 2014

CONTOS REGIONAIS


 

 

                     O ARGUMENTO DECISIVO

                                                                         

        De tempos em tempos, Gregório e seu ajudante, Socó, atravessavam a cidade com um boi no laço. O animal desembarcava sob cuteladas, no porto do Valo Grande, e era atropelado por um longo itinerário, premiando a cidade com o espetáculo de uma tourada maluca, na qual o boi, tendo contra si o grito e as provocações das crianças e dos desocupados, estava condenado a sempre perder, já que o epílogo do espetáculo era o matadouro.

        Além dos artistas principais, já mencionados, havia os cães, coadjuvantes no coral de sons, instigando os pinotes bovinos, com seus latidos, e desferindo mordidas certeiras em suas pernas. Quando o boi caía, por descuido, desequilíbrio ou cansaço, era convidado a levantar e continuar a correria,  por uma torção de rabo, dado por Gregório ou pelo artista secundário, pelo chute das crianças ou, ainda, pelas mordidas dos cães. Na metade do caminho, o boi, sujo de terra e de sangue, já caminhava como um bêbado. No matadouro, recebia o golpe final, com um chuço nas vértebras: era o epílogo de sua tragédia.  

        Um promotor chegado recentemente à cidade teve oportunidade de apreciar esse espetáculo e ficou indignado. Achou que aquilo só podia contribuir para os maus costumes dos cidadãos, principalmente das crianças. Alguma coisa precisava ser feita, e ele achou que estava na sua obrigação tomar providências. Mandou um soldado chamar Gregório. O carniceiro  (profissionalmente falando) apareceu, sujo de sangue, fezes e terra. O promotor perguntou: 

        - Foi você que passou tangendo um boi por aqui, há pouco?

        - Sim senhor.

        - Mas isso são modos de conduzir um animal? Para que toda essa brutalidade?

        - O que o senhor queria? Que eu levasse o boi nos braços?

        O promotor não aguentou o desaforo. Chamou o soldado:

        - Mande o delegado prender esse sujeito.

        E lá foi o soldado, levando Gregório para a Delegacia. Acontece que não havia nenhuma outra fonte de carne, na cidade. Por isso, na hora da prisão, Gregório advertiu o delegado:

        - Se vocês me prenderem, amanhã vão comer merda!

        O argumento era de uma lógica irrepreensível. O jeito foi soltar o magarefe.

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