O ARGUMENTO DECISIVO
De tempos em tempos, Gregório e seu
ajudante, Socó, atravessavam a cidade com um boi no laço. O animal desembarcava
sob cuteladas, no porto do Valo Grande, e era atropelado por um longo
itinerário, premiando a cidade com o espetáculo de uma tourada maluca, na qual
o boi, tendo contra si o grito e as provocações das crianças e dos desocupados,
estava condenado a sempre perder, já que o epílogo do espetáculo era o
matadouro.
Além dos artistas principais, já
mencionados, havia os cães, coadjuvantes no coral de sons, instigando os
pinotes bovinos, com seus latidos, e desferindo mordidas certeiras em suas
pernas. Quando o boi caía, por descuido, desequilíbrio ou cansaço, era
convidado a levantar e continuar a correria,
por uma torção de rabo, dado por Gregório ou pelo artista secundário,
pelo chute das crianças ou, ainda, pelas mordidas dos cães. Na metade do
caminho, o boi, sujo de terra e de sangue, já caminhava como um bêbado. No
matadouro, recebia o golpe final, com um chuço nas vértebras: era o epílogo de
sua tragédia.
Um promotor chegado recentemente à
cidade teve oportunidade de apreciar esse espetáculo e ficou indignado. Achou
que aquilo só podia contribuir para os maus costumes dos cidadãos,
principalmente das crianças. Alguma coisa precisava ser feita, e ele achou que
estava na sua obrigação tomar providências. Mandou um soldado chamar Gregório.
O carniceiro (profissionalmente falando)
apareceu, sujo de sangue, fezes e terra. O promotor perguntou:
- Foi você que passou tangendo um boi
por aqui, há pouco?
- Sim senhor.
- Mas isso são modos de conduzir um
animal? Para que toda essa brutalidade?
- O que o senhor queria? Que eu levasse
o boi nos braços?
O promotor não aguentou o desaforo.
Chamou o soldado:
- Mande o delegado prender esse sujeito.
E lá foi o soldado, levando Gregório
para a Delegacia. Acontece que não havia nenhuma outra fonte de carne, na
cidade. Por isso, na hora da prisão, Gregório advertiu o delegado:
- Se vocês me prenderem, amanhã vão
comer merda!
O argumento era de uma lógica
irrepreensível. O jeito foi soltar o magarefe.
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