terça-feira, 13 de maio de 2014

O CASAMENTO DE MARIA TROLOLÓ


 

A espera foi longa e dolorosa. O tempo passava, as mocinhas casavam e Maria Trololó sobrava. Por que Maria Trololó não casava? Maldito seja quem pense mal disso. O problema é que todo mundo tinha "aquilo" jeitoso e com boa envergadura, só Maria Trololó exagerava. Pois é isso aí, não adianta esconder, Maria Trololó tinha uma bunda (com perdão da má palavra), fora do esquadro. O caso era que, antes de se tornar mocinha ela já era motivo de facécias. Facécias? Facécias! Foi um professor de Língua Portuguesa que aportou nesta cidadezinha quem ensinou meninos e meninas a falarem facécia. "Chiste", dizia ele, facécia é chiste, e todos ficaram na mesma. Até que, de palavra em palavra, trocando uma pela outra, chiste por motejo, este por escárnio, escárnio por menosprezo, enfim por troça, zombaria, chegou-se a piada, aí todos entenderam. Com isso, o vocabulário local ficou tão rico, na área da piada, que a turma do mercado passou um mês mastigando  palavras, junto com o pastel do japonês, palavras que davam gosto de falar: escárnio, menosprezo, etc. ao que eles acrescentaram por conta própria esculhambação, cachorrada, sacanagem.

        Mas voltando à Trololó, digo à Maria, cada casamento que acontecia, junto com as alegrias dos parentes e amigos, noves-fora a cara rombuda dos chifrados, quero dizer, dos namorados que foram deixados pelo caminho pela mocinha casadoira, uma lembrança se amoitava nas cacholas: "coitada da Maria Trololó!". Foi indo, foi indo, foi indo que até as tristezas somadas, no coro dos murmúrios  - outra herança do tal professor de Língua Portuguesa que queria dizer sussuro, lamento - que foram trocados, primeiro pelas esperanças, depois pelos palpites e, finalmente, num movimento encabeçado por Jandira Sete-saias (um dia explico, porque Sete-saias), por uma roda de orações, digo, preces, porque o tal professor de Português, de renhida (esta também é dele) lembrança, dizia que oração é "a expressão verbal do pensamento", que Ave-Maria e Padre Nosso são "preces".

Mas prossigamos. As preces se multiplicaram na cidade, pela felicidade de Maria Trololó e mesmo nelas se dizia Trololó, e não da Silva, como estava em seu batistério, porque ninguém acreditava que no mundo "transcendental" (esta até o vigário anotou, no seu Breviário, quando ouviu aquele tal falar) ela fosse conhecida por outro nome. Assim, a cidade se concentrou nos seus apelos, o que só podia dar certo, porque de reza em coro não há Santo que escape. Então, naquele dia abençoado, aconteceu. O moço desceu do ônibus, e tudo já estava preparado: seu apelido, Tucano, e seu destino: marido da Maria Trololó. Joãozinho P (P porque o delegado ameaçou prender quem dissesse o apelido por inteiro, em público. O tal professor quis substituir a alcunha por outra começada com "O", mas o delegado também proibiu; "mas está na Bíblia" argumentou o palpiteiro, com a garantia de um pentecostal; "está proibido e acabou" disse, peremptório - ô beleza de termo - o delegado). Mas prosseguindo, Joãozinho P que levou a mala do homem para a pensão de Da. Ambrósia, por conta da previsão feliz, que ele mesmo fez quando viu o homem, nem queria cobrar o serviço, mas, enfim....

Foi o homem entrar na pensão e nem tinha ido ao banheiro, para se aliviar, depois da longa viagem, e já a cidade inteira sabia que as preces em prol (como dizia o professor) do futuro marido de Maria Trololó tinham sido ouvidas. Os homens respiraram, as mulheres se benzeram, as moças sorriram e os rapazes proferiram (aí, professor!) palavrões comemorativos e só não soltaram foguetes prá não assustar o "escolhido". Ora, direis, por que o "escolhido"? Joãozinho P, o estetoscópio das emoções coletivas (juro que essa eu mesmo inventei) espalhou a notícia e todos acreditaram, ou creram, como dizia o Vigário, pois a crença é a certeza no imponderável (essa é do próprio Vigário, que também tinha suas tintas de cultura).  

Enfim, para encurtar a história, o tal, que se chamava Zé, recebeu seu cognome (eta palavra bonita) Tucano porque seu nariz ultrapassava, digamos com elegância, as proporções da normalidade anatômica. Apelido não se inventa, ele vem com a pessoa, é um fado. Zé Tucano se estreou na praça debaixo do maior respeito. Afinal o futuro de uma cidadã dependia dele. Ninguém falou Tucano na sua presença, antes que a intimidade permitisse. Para alívio geral, ouvindo seu apelido Zé riu, desembaraçado, porque Tucano ele já era, de nascença.

A cidade se movimentou para apresentar Zé Tucano a  Maria Trololó e tudo deu certo. Maria, depois de um olhar nada disfarçado, se encantou com o nariz dele; ele, disfarçadamente, porque a parte anatômica em questão é de respeito, se encantou, com a bunda (com perdão da palavra) dela e o resto foi só festa. O vestido da noiva foi presente das irmãs Braulinas, hábeis costureiras que faziam até batina de padre, a coroa  (ou tem outro nome? O professor não falou nisso) foi ofertada pela loja de flores, os sapatos....enfim, a família de Maria Trololó só pagou o bolo e as bebidas, porque insistiram em colaborar. E nunca se viu na cidade uma festa tão bonita. Nem o Carnaval foi tão divertido. Todos pareciam aliviados depois da longa espera. Finalizando, Maria Trololó e Zé Tucano cumpriram o prazo da Lua de Mel numa pousada rural e foram morar em Goiânia, onde, nos anos seguintes, tiveram um lindo casal de Tucaninhos Trololós.  

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