A espera foi longa e dolorosa. O
tempo passava, as mocinhas casavam e Maria Trololó sobrava. Por que Maria
Trololó não casava? Maldito seja quem pense mal disso. O problema é que todo
mundo tinha "aquilo" jeitoso e com boa envergadura, só Maria Trololó
exagerava. Pois é isso aí, não adianta esconder, Maria Trololó tinha uma bunda
(com perdão da má palavra), fora do esquadro. O caso era que, antes de se
tornar mocinha ela já era motivo de facécias. Facécias? Facécias! Foi um
professor de Língua Portuguesa que aportou nesta cidadezinha quem ensinou meninos
e meninas a falarem facécia. "Chiste", dizia ele, facécia é chiste, e
todos ficaram na mesma. Até que, de palavra em palavra, trocando uma pela
outra, chiste por motejo, este por escárnio, escárnio por menosprezo, enfim por
troça, zombaria, chegou-se a piada, aí todos entenderam. Com isso, o
vocabulário local ficou tão rico, na área da piada, que a turma do mercado
passou um mês mastigando palavras, junto
com o pastel do japonês, palavras que davam gosto de falar: escárnio,
menosprezo, etc. ao que eles acrescentaram por conta própria esculhambação,
cachorrada, sacanagem.
Mas voltando à Trololó, digo à Maria,
cada casamento que acontecia, junto com as alegrias dos parentes e amigos,
noves-fora a cara rombuda dos chifrados, quero dizer, dos namorados que foram
deixados pelo caminho pela mocinha casadoira, uma lembrança se amoitava nas
cacholas: "coitada da Maria Trololó!". Foi indo, foi indo, foi indo
que até as tristezas somadas, no coro dos murmúrios - outra herança do tal professor de Língua
Portuguesa que queria dizer sussuro, lamento - que foram trocados, primeiro
pelas esperanças, depois pelos palpites e, finalmente, num movimento encabeçado
por Jandira Sete-saias (um dia explico, porque Sete-saias), por uma roda de
orações, digo, preces, porque o tal professor de Português, de renhida (esta
também é dele) lembrança, dizia que oração é "a expressão verbal do
pensamento", que Ave-Maria e Padre Nosso são "preces".
Mas prossigamos. As preces se
multiplicaram na cidade, pela felicidade de Maria Trololó e mesmo nelas se
dizia Trololó, e não da Silva, como estava em seu batistério, porque ninguém
acreditava que no mundo "transcendental" (esta até o vigário anotou,
no seu Breviário, quando ouviu aquele tal falar) ela fosse conhecida por outro
nome. Assim, a cidade se concentrou nos seus apelos, o que só podia dar certo,
porque de reza em coro não há Santo que escape. Então, naquele dia abençoado,
aconteceu. O moço desceu do ônibus, e tudo já estava preparado: seu apelido,
Tucano, e seu destino: marido da Maria Trololó. Joãozinho P (P porque o
delegado ameaçou prender quem dissesse o apelido por inteiro, em público. O tal
professor quis substituir a alcunha por outra começada com "O", mas o
delegado também proibiu; "mas está na Bíblia" argumentou o
palpiteiro, com a garantia de um pentecostal; "está proibido e
acabou" disse, peremptório - ô beleza de termo - o delegado). Mas
prosseguindo, Joãozinho P que levou a mala do homem para a pensão de Da.
Ambrósia, por conta da previsão feliz, que ele mesmo fez quando viu o homem,
nem queria cobrar o serviço, mas, enfim....
Foi o homem entrar na pensão e nem
tinha ido ao banheiro, para se aliviar, depois da longa viagem, e já a cidade
inteira sabia que as preces em prol (como dizia o professor) do futuro marido
de Maria Trololó tinham sido ouvidas. Os homens respiraram, as mulheres se
benzeram, as moças sorriram e os rapazes proferiram (aí, professor!) palavrões
comemorativos e só não soltaram foguetes prá não assustar o
"escolhido". Ora, direis, por que o "escolhido"? Joãozinho
P, o estetoscópio das emoções coletivas (juro que essa eu mesmo inventei)
espalhou a notícia e todos acreditaram, ou creram, como dizia o Vigário, pois a
crença é a certeza no imponderável (essa é do próprio Vigário, que também tinha
suas tintas de cultura).
Enfim, para encurtar a história, o
tal, que se chamava Zé, recebeu seu cognome (eta palavra bonita) Tucano porque
seu nariz ultrapassava, digamos com elegância, as proporções da normalidade
anatômica. Apelido não se inventa, ele vem com a pessoa, é um fado. Zé Tucano
se estreou na praça debaixo do maior respeito. Afinal o futuro de uma cidadã
dependia dele. Ninguém falou Tucano na sua presença, antes que a intimidade
permitisse. Para alívio geral, ouvindo seu apelido Zé riu, desembaraçado,
porque Tucano ele já era, de nascença.
A cidade se movimentou para
apresentar Zé Tucano a Maria Trololó e
tudo deu certo. Maria, depois de um olhar nada disfarçado, se encantou com o
nariz dele; ele, disfarçadamente, porque a parte anatômica em questão é de
respeito, se encantou, com a bunda (com perdão da palavra) dela e o resto foi
só festa. O vestido da noiva foi presente das irmãs Braulinas, hábeis
costureiras que faziam até batina de padre, a coroa (ou tem outro nome? O professor não falou
nisso) foi ofertada pela loja de flores, os sapatos....enfim, a família de
Maria Trololó só pagou o bolo e as bebidas, porque insistiram em colaborar. E nunca se
viu na cidade uma festa tão bonita. Nem o Carnaval foi tão divertido. Todos
pareciam aliviados depois da longa espera. Finalizando, Maria Trololó e Zé
Tucano cumpriram o prazo da Lua de Mel numa pousada rural e foram morar em
Goiânia, onde, nos anos seguintes, tiveram um lindo casal de Tucaninhos
Trololós.
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