Por RUY FABIANO – JORNALISTA
É o que ocorre no
episódio do Mensalão. Inicialmente, não se esperava que dele nada resultasse, o
que, por si só, já revela algo de substantivo a respeito de nossa cultura.
Dentro dela, não é
comum – para não dizer que é inédito - que pessoas influentes paguem por seus
crimes. A maioria da opinião pública, pois, estava cética em relação ao destino
dos mensaleiros. Seriam inocentados e, em breve, estariam de volta.
Deu-se, porém, o
contrário: foram presos. Na reação à prisão, sustentada por amplos setores da
intelectualidade e do meio artístico, tem-se um retrato da moralidade do país.
A hostilidade nas
redes sociais e nos jornais a Joaquim Barbosa deixa claro que, acima da moral,
está a ideologia. Ou por outra, sem ideologia - de esquerda, claro - não há moral.
"Aos amigos,
tudo; aos inimigos, os rigores da lei", sustentava Getúlio Vargas. A
solidariedade a José Genoíno, em face de sua enfermidade, não se estendeu a
outro condenado, mais enfermo que ele, Roberto Jefferson, que padece de um
câncer irreversível.
Está mais enfermo,
mas não é da turma. Não merece compaixão. Criou-se, no Mensalão, a figura
esdrúxula do delito ideológico. O roubo de esquerda é legítimo; o de direita,
não.
Tal distorção já
vigora há tempos em relação aos direitos humanos: um preso político em Cuba
merece o que recebe; num regime militar de direita, não.
Um torturado sob
Pinochet mobiliza inúmeras comissões de direitos humanos; um sob Fidel Castro
provoca silêncio e compreensão.
A Comissão da
Verdade investiga crimes de meio século atrás, mas só os cometidos contra a
esquerda. Só eles merecem o rótulo de abomináveis. Os que ela cometeu – e
cometeu diversos, devidamente comprovados – passam como fatalidades.
E é esse mesmo
pessoal – que conta a História pelo viés ideológico - que acusa o Supremo
Tribunal Federal de ter feito julgamento político no Mensalão.
O processo levou
sete anos para chegar ao plenário. Os autos formavam montanhas de papel, mais
de 50 mil páginas. Só a leitura do relatório consumiu dois dias.
Cada acusado teve
sua devida defesa - e até embargos infringentes, não previstos na lei, foram
aceitos. Não houve qualquer cerceamento ao devido processo legal.
Mais da metade dos
ministros, inclusive o relator, foi nomeada na gestão do PT. Se tentativa houve
de politizar o julgamento, foi da parte favorável aos mensaleiros, com manobras
protelatórias, que resultaram inúteis.
Na execução da
pena, os sentenciados exibiram de público o seu injustificado protesto,
brandindo punhos cerrados, com críticas ferozes ao Judiciário. Reclamaram das
condições carcerárias, mesmo já tendo o governador de Brasília, Agnelo Queiroz,
providenciado com antecedência a construção de anexos mais confortáveis para
receber os companheiros.
O governador, num
gesto inédito – já que é um agente do Estado e os sentenciados delinquiram
contra o Estado -, deu-se ao desplante de visitá-los na prisão, ao lado de
parlamentares, furando a fila de familiares de outros presos, que aguardavam
desde a madrugada autorização para ingressar no presídio.
A OAB, ausente
durante todo o julgamento, só se manifestou para endossar as críticas dos
mensaleiros e reclamar da suposta severidade do presidente do STF. Presos
comuns – como os de Pedrinha, no Maranhão – não causam qualquer consternação,
nem à OAB, nem aos grupos de direitos humanos.
Não têm grife
ideológica. São vítimas contemporâneas, que vivem em regime de terror. Podem
ter suas aflições interrompidas já, mediante intervenção desses grupos que se
proclamam humanitários, mas, à exceção de vozes isoladas e impotentes, não
sensibilizam os ativistas dos direitos humanos ideológicos.
Não faltam vozes, à
esquerda, reclamando do moralismo que condenou os mensaleiros. Mas essas mesmas
vozes fizeram carreira política com discursos moralistas, frequentemente
falsos.
O já falecido
senador Humberto Lucena foi cassado por imprimir um calendário na gráfica do
Senado. O deputado Ibsen Pinheiro foi cassado graças a um falso extrato
bancário, que o mostrava milionário. O extrato foi entregue por José Dirceu à
redação de uma revista semanal, que o publicou como verdadeiro. Dez anos
depois, desfez-se a farsa, mas já era tarde.
O ex-ministro
Eduardo Jorge, do PSDB, foi execrado publicamente como corrupto numa manobra do
PT com um procurador da República, Luiz Francisco de Souza, que saiu de cena
depois que o partido assumiu a Presidência da República.
O PT hoje prova do
veneno que serviu à política brasileira. Nos 23 anos que precederam sua chegada
ao poder, pôs em cena a famosa recomendação de Lênin aos militantes comunistas:
"Acuse-os do que você faz".
O tiro um dia sairia pela culatra. Saiu.
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