É O
BOI
O melhor momento do Carnaval, em Iguape, é
o desfile do Boi. Carnaval é descontração, independência, abertura para o
improviso e isso é o que se vê no desfile do Boi, a multidão alegre,
desordenada, espontânea, descuidada de atitudes, explodindo sua emoção,
transformando aquela improvisada escultura de madeira, arame e papel pintado no
comandante da baderna sem violência, da liberdade sem excesso, da transgressão
inocente.
O desfile das escolas
é muito bonito e o toque das baterias é perfeito, mas há algo de burocrático
nessas demonstrações artísticas, uma ordem meio militar, que se reflete na
preocupação do alinhamento de seus integrantes e na vigilância de seus
organizadores. Mal comparando, o desfile comportado dos clubes está para a
multidão convulsionada atrás do Boi, como as estampas cuidadosamente desenhadas
dos quadros renascentistas estão para as figurações libertárias da pintura
moderna. Naquela prepondera a disciplina, o cuidado, o respeito às regras, a
racionalidade; nesta o que vale é a espontaneidade, a criatividade, o improviso,
a emoção.
Vendo o Boi desfilar,
acompanhado por aquela multidão delirante, a gente descobre que nem os Dez
Mandamentos, nem a Inquisição, nem as dezenas de bulas papais e o transcurso de
dois milênios do monoteísmo foram capazes de extirpar do homem o gosto pagão
pelo ídolo totêmico, essa profunda e quase genética ligação do homem com os bichos,
uma espécie de antecipação intuitiva da descoberta darwinista, do nosso parentesco
com todo o reino animal. O Boi de Iguape desbancou até o Rei Momo, o deus da
sátira, importação européia, resquício da cultura helênica.
Enfim, assim como a subida ao Corcovado
justifica a visita ao Rio de Janeiro, uma chegada ao Mercado de “Ver o Peso”
compensa a longa viagem até Belém do Pará, e o conjunto arquitetônico do
Pelourinho faz esquecer o calor de Salvador da Bahia, vale a pena agüentar a
espera, o cansaço e o barulho ensurdecedor da praça, até alta madrugada, para
ver o desfile do Boi, que é quase sempre o último no cronograma da festa, mas é
certamente o primeiro na preferência dos carnavalescos.
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