sábado, 20 de abril de 2013

RELEMBRANÇAS POÉTICAS


RELEMBRANÇAS POÉTICAS

                           A arte: Freud explica

       O amor é belo, mas se torna doloroso quando seu alvo está fora do alcance. E, aí, como escreveu Manuel Bandeira, o jeito é “tocar um tango argentino”. Esse desvio do impulso amoroso para a criatividade artística é o que Freud chamou de “sublimação”. Graças a esse mecanismo de compensação, aliado a uma boa dose de talento, é que podemos nos deleitar com tantos poemas e canções, mesmo suspeitando que seus autores tenham passado por noites de insônia ou bebedeiras catárticas. Que eles (ou elas) se ralem nos espinhos do ciúme e do desprezo de suas amadas (ou amados), desde que nos propiciem boas obras de arte! No final das contas, a poesia ou a música, dedicadas aos entes queridos, ingratos ou inalcançáveis, acabam trazendo vantagens tanto para quem as faz, porque o alivia da angústia, como para quem as usufrui, como válvula de escape para suas crises amorosas, ou simplesmente para seu prazer.
            No exercício da poesia, em função da intensidade emocional, do delírio da paixão, o artista muitas vezes, torce, exagera, disfarça ou omite, o objeto de seu devaneio. Na gramática das artes, essas simulações de denominam hipérbole, metáfora, metonímia e outros termos esdrúxulos. Se, por um lado, esses recursos de retórica arrastam o pensamento para fora da realidade, por outro, trazem uma luz de beleza e expressividade ao objeto artístico. Envolvido pelos fluidos inebriantes da arte, o leitor sai da rotina do relógio e do calendário, esquece o bom senso, o ramerrão do dia-a-dia, abole as leis da física e toda a lógica que os cientistas e filósofos levaram séculos para descobrir.
           É dentro desse espírito exaltado que, na composição da valsa “Neusa”, de Antônio Caldas e Celso de Figueiredo, o poeta não se contenta em devotar apenas os seus versos à amada, mas invoca para ela todo o esplendor da noite: “Há, na luz clara e tranquila do luar / Um poema em louvor do teu olhar”. Mais à frente, com “A tua boca a sorrir / Mostra pérolas roubadas ao mar”. No simples ato de elogiar um sorriso, o autor introduz um dramático assalto às riquezas do mar, que conduz nossa imaginação aos tempos da pirataria. Em “Páginas de Amor”, de Cândido da Vera Mendes (Índio) e do inesquecível Pixinguinha, o autor da letra, lamentando a sorte de quem “esconde uma paixão”, usa uma imagem, lindíssima para a expressar a dor que se oculta: “Lágrimas existem que rolam na face / Há outras, porém, que rolam no coração”. Isso tudo, acompanhado com os floreios do saxofone do Pixinga, amolece o coração mais empedernido!
          Mas é claro que esses caprichosos malabarismos poéticos não começaram há pouco tempo. Só para não voltar muito atrás, não é que até Gregório de Matos, o repentista zombeteiro, deixou-se levar pelos arroubos poéticos, para cantar a beleza da donzela Da. Ângela, sua contemporânea? “Mas vejo, que por bela e por galharda / Posto que os Anjos nunca dão pesares / Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda”. Um salto histórico mais à frente e encontramos uma demonstração de que, para o poeta, nem a morte apaga o encanto da beleza feminina. José Basílio da Gama, no episodio “Morte de Lindoia”, do poema “Uraguai”, descreve: “Inda conserva no pálido semblante / Um não sei que de magoado e triste / Que os corações mais duros enternece / Tanto era bela no seu rosto a morte.”
          Seria injustiça e grave esquecimento não citarmos aqui o nosso “Príncipe dos Poetas”, o antológico Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, o homem para quem só “os que amam podem ter ouvido / Capaz de ouvir e de entender estrelas”. Num soneto intitulado “Milagre”, ele mostra a redescoberta do amor, por duas pessoas idosas: “Depois de tantos anos, frente a frente / Um encontro. O fantasma do meu sonho / E, de cabelos brancos, mudamente / Quedamos frios, num olhar tristonho”. Após o anticlímax, de repente as mãos se tocam e, então: ..”E fulgimos, volvendo à mocidade / Aureolados dos beijos que tivemos / No divino milagre da saudade”.

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