Seja pela sua extensão, seja pela
variedade da imigração, seja pela imaginação de seus habitantes, o Brasil
apresenta mil e uma maneiras de se expressar, embora o idioma nacional seja
apenas um: aquele que veio das beiradas do Tejo, ou do Alentejo. Entretanto,
uma vez aqui, o Idioma Português se fez miríades de modos de expressão, o que o
enriqueceu e aumentou o prazer de ouvi-lo e pensá-lo.
O Vale do Ribeira também tem seus vários
modos de expressão linguística, os quais têm sido preservados, aqui e ali,
pelos mais atentos e mais cuidadosos de seus habitantes. Há quem aprecie, há
quem procure evitar, aquilo que, de certa maneira, faz parte de um passado que
se espedaçou no calendário, e do qual, até, alguém mais pretensioso, tenha
vergonha de repetir. Mas para quem aprecia a leitura (e as línguas e
linguagens, concomitantemente) esses resquícios de expressão do passado se
constituem em “iguarias” deliciosas.
É com esse espírito de acrescentar
prazer à leitura, que transcrevemos, abaixo o artigo “Dicas pra viver em Minas”,
extraídas do livro “As coisas simpáticas da vida” (Landy Editora, São Paulo –
SP – 2005, pg 82) do paradoxal paulistano (vejam só) Felipe Peixoto Braga
(1973) que mora em Belo Horizonte e afirma não ter nunca publicado qualquer
coisa. (Imaginem se “tivesse publicado...”) a nós enviado pela senhora Silvana
Arkangeletti Takabatake:
Quem nasceu nas Minas Gerais, entende muito bem tudo
isto, mas quem não nasceu lá, precisa de conhecer e entender o
"MINEIRÊS".
Bão dimais sô!!!
DICAS PRA
VIVER EM MINAS
O SOTAQUE DAS MINEIRAS
- O sotaque das
mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Afinal,se tudo que é bom tem
um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo das
moças de Minas ficou de fora?
- Porque, Deus,
que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta avisando: 'ouvi-la faz mal à
saúde'. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato
doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: 'só isso?'. Assino, achando que
ela me faz um favor.
- Eu sou
suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez quase propus
casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.
- Os mineiros têm um ódio mortal das palavras
completas... Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho. Não
dizem: pode parar, dizem: 'pó parar' Não dizem: onde eu estou?, dizem: 'onde
queu tô.'
- Os
não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e
levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando - apenas de
uais, trens e sôs.
- Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o
sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço.
Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme
pornô. Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de serviço.
Faz sentido...
- Mineiras não
usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas
há de perguntar pra outra: 'cê tá boa?' Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar
para uma mineira se ela tá boa é desnecessário. ...
- Há outras. Vamos supor que você esteja tendo
um caso com uma mulher casada.
- Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e
dizer: - Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc..) O verbo
'mexer', para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por
exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido.
Querem saber o seu ofício.
- Os mineiros também não gostam do verbo
conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta. Sôcê (se você) acha
que não vai chegar a tempo, você liga e diz: '- Aqui, não vou dar conta de
chegar na hora, não, sô.'
- Esse 'aqui' é outra delícia que só tem aqui.
É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É
mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita
atenção: é uma forma de dizer 'olá, me escutem, por favor'. É a última
instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.
- Mineiras não dizem 'apaixonado por'. Dizem,
sabe-se lá por que, 'apaixonado com'. Soa engraçado aos ouvidos forasteiros.
Ouve-se a toda hora: 'Ah, eu apaixonei com ele...'. Ou: 'sou doida com ele'
(ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro).
- Eu preciso avisar à língua portuguesa que
gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui
certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.
- Por exemplo: em Minas, se você quiser falar
que precisa ir a um lugar, vai dizer: - 'Eu preciso de ir.'
- Onde os
mineiros arrumaram esse 'de', aí no meio, é uma boa pergunta..
Só não me perguntem!
- Mas que ele
existe, existe. Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório.
- No supermercado, o mineiro não faz muitas
compras, ele compra um tanto de coisa. O supermercado não estará lotado, ele
terá um tanto de gente. Se a fila do caixa não anda, é porque está agarrando lá
na frente.
Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!
- Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir
um mendigo e ficar com pena, suspirará :'- Ai, gente, que dó.'
- É provável que a essa altura o leitor já
esteja apaixonado pelas mineiras...
- Não vem caçar confusão pro meu lado! Porque,
devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro 'caça confusão'. Se você quiser
dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido,
que ele 'vive caçando confusão'.
- Ah, e tem o 'Capaz....' Se você propõe algo
a uma mineira, ela diz:
'capaz' !!! Vocês já ouviram esse 'capaz'?
- É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer
dizer 'ce acha que eu faço isso'!?
com algumas toneladas de ironia.. Se você
ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: 'ô dó dôcê'. Entendeu? Não?
Deixa para lá.
- É parecido com o 'nem..'.Já ouviu o
'nem...'?
Completo ele fica: '- Ah, nem....' O que
significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o
que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum. Você diz: 'Meu amor, cê
anima de comer um tropeiro no Mineirão?'.
Resposta: 'nem....' Ainda não entendeu? Uai,
nem é nem. Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?
- Preciso
confessar algo: minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes
vocabulares das mineiras. Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é
outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão.
- Se você, em conversa, falar: 'Ah, fui lá
comprar umas coisas...'.. -
Que' s coisa? - ela retrucará. O plural dá um
pulo. Sai das coisas e vai para o 'que'!
- Ouvi de uma
menina culta um 'pelas metade', no lugar de 'pela metade'. E se você acusar
injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará :
- Ele pôs a culpa 'ni mim'.
- A conjugação
dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas... Ontem, uma senhora docemente me
consolou: 'preocupa não, bobo!'.. E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas
conjugações mineiras. nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um:
'não se preocupe', ou algo assim. Fórmula mineira é sintética. e diz tudo.
- Até o tchau,
em Minas, é personalizado. Ninguém diz tchau, pura e simplesmente. Aqui se diz:
'tchau pro cê', 'tchau pro cês'.
- É útil deixar
claro o destinatário do tchau...
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