EU SÔ DE PAZ
Tem uns que dizem que sô ruim, sô ruim
nada, eu sô de paz, os otro é que me inquizilham. Já por isso mudei de Riberão.
Lá eu tava bem até num ponto, quando aquele besta do Raimundo me chamô de bunda
suja, no meio dos otro, na roda de pinga, no bar do Severino. Retruquei o
disaforo, ele me xingô, aí virou tudo na bagunça, intramo no aloite, os otro
quisero separá, mas nem pudiam, que tavam tudo bebo. Raimundo que era forçudo
me grudô no gasganete, mas eu, que não sô troxa, ando co meu furadô de tripa
escundido na cintura, já na primera catucada estiquei ele no soalho. Aí, vai
que não vai, pega daqui, cuidado dali, fugi de com pressa, passei em casa,
garrei a mulhé e uma troxa e sumi no canaviá. Só parei em Sertãozinho, no ponto
de condução, me acertei no rumo e fui prá Iguape, bem longe da confusão, que eu
sô de paz.
Em Iguape tava quaje tudo bem, me
arranchei no Mumuna, fazia uns treco de trabaio cos sitiante de perto, me
defendia numa caça de mundéu, nuns parmito, mandioca, milho. Digo quaje tudo
bem porque a mulhé, já nos premero dia, vivia me apurrinhando, desacorçoada,
quero vortá, não vai vortá, mas eu quero, não vai, até que preguei um tapa na
fuça dela, pra ela pará. Pois a capeta não só não parô como veio pra cima de
mim cuma garrafa, eu me cisquei de lado, garrei uma mão de pilão que tava de
jeito, reboleei no ar e acertei na tampa da cabeça dela. Foi um gorpe só, ela
caiu estrebuchando e eu dexei ela no chão e fui descansá um poco, que a lida
tinha sido dura. Puxei um cuchilo e, quando acordei, ela já tava friinha, pois
não é que aí até que gostei dela, tadinha, ali, esticadinha, quietinha,
carminha, mainga, então me dei tento que só tinha uma enxada pra fazê o buraco
pra mode enterrá aquela cristã. Foi uma trabalhera danada, mas deu tudo certo,
fiz uma covinha manera, que ela merecia, meio braba, mas artera, inventiva,
dando jeito nas coisa, pra gente não tê pobrema. Mas enfim, as coisa acontece,
eu tive que fazê o que fiz, não provoquei nada, só me defendi da garrafa, não
quiria briga, que eu sô de paz.
As coisa continuaram, tava carecido de mulhé,
mas o resto tava tudo bão, falei, com quem preguntô, que minha mulhé tinha
vortado pra Riberão, me acompanharam na tristura, tomando uns copinho de pinga
no buteco do Mané. Mas é sempre assim, quando tudo vai bem, o dianho atenta. Eu
tava numa tarde cochando umas corda pra consertá o cabo da rede de dormi, daí
me aparece a Dindica, mulhé do Sabino, que morava lá perto do rio. Veio cuma
oferta de biju, pro meu café, dizia, e eu até que fiquei alegre no premero
momento, mas intão me assustei, quê qué isso, a mulhé dos otro me bajulando, é
poca coisa, mas dado é dado, eu aceitei, mas tão duvidoso que até isquici de
convidá ela pra intrá. Ela riu, assim meio de lado, com aquele jeito de mocinha
buliçosa, mas só me dei conta de que aquilo tinha remexido um treco no baxero,
quando ela já tava longe.
Na sigunda veis que veio com otra
oferta, uns pedaço de cuscuz, eu já tava mais conforme e até conversei mais
carmo com a Dindica. Sabia do risco, que essas coisa com mulhé dos otro dão
pendenga, mas seja o que Deus quisé, eu não tinha pidido nada, foi ela que
veio. Aí, então, eu não me esquivei do maneroso e convidei ela pra intrá e até
sentemo num banquinho, conversando um tantico. Vai que vai, aquele risinho nos
beiço, as remexida no baxero, não deu pra agüentá, logo, logo, nós tava se
rolando por cima da rede que tava de jeito, no chão do rancho. Não quero me
gabá, mas quando ela foi simbora eu vi no zóio dela a promessa de vortá. Na
minha cabeça, a sastifação brigava coa vontade de não tê mais increnca na vida,
que eu sô de paz. Mas entreguei tudo pro destino, que nas coisa da vida a gente
manda muito poco.
E foi indo assim, uns bolinho de
parmito, umas banana-da-terra frita e nós dois se embolando na rede! Já tinha
inté me isquicido da falicida e tava quaje me acustumando com aquele jeito meio
escundido de tê mulhé. Vai senão quando, um dia que tomava umas pinguinha cos
amigo, no buteco do Mané, uvi aquele safado do Celestino falando meio no
mistério, que tinha coisa de traição pelos derredor. Me deu um arripiu na
ispinha, eu nem olhei pro arrenegado, mas vi que o Sabino, que tava de pé, no
lado do barcão, se mexeu disajeitado, como querendo tirá um criqué das costa.
Ali eu sube que o chifrudo já tava em desconfiança, mas nem pudia maginá o
avanço da notícia, que só se escrachô de veis, quando o filho da mãe do
Celestino compretô sua arenga com um tiro certero: “Gente fugido de Riberão só serve pressas
coisa!”
O resto foi aquele sunsurro. Eu vi o
Sabino se achegando na minha dereção, os amigo sartando das cadera, o Mané
tirando as garrafa do barcão, e eu pulei de pé, que sentado não é pusição pra
enfrentá confusão. O cornudo nem conversô nem nada. Eu vi o crarão da pexera e
saí de banda, que a mão armada vinha direto no meu bucho. Garrei uma cadera,
rodopiei ela no ar e acertei no cocuruto do traído, que caiu no chão com faca e
tudo. Olhei pros lado e tava tudo abobado, na espera. Me aprumei, puxei uma
nota, mostrei de longe pro Mané, pus em riba da mesa e saí direto. Só parei um
poco no rancho, pra pegá umas ropa, fiz a troxa, botei nas costa, dei uma
olhada de dispidida na sepurtura da mulhé e caí fora. Não ia esperá por
ninguém, porque briga por mulhé só dá disgraça, eu não quiria mais quizilha,
que eu sô de paz!