As noites silenciosas, a
tranqüilidade das ruas e a bonomia de seus habitantes, fizeram de Iguape a
cidade preferida pelos aposentados. Além das vantagens da própria cidade, há a
proximidade do mar, um rio piscoso e belas paisagens da Mata Atlântica. Num
rápido passeio pela cidade é possível verificar o grande número de “coroas”,
passeando à beira do Valo Grande e baixada do Mar Pequeno, ou proseando pelas
esquinas, nos bancos da praça e no murinho da Basílica.
De conversa em conversa,
certo dia, um desses aposentados, entusiasta dos esportes, sugeriu a idéia de
promover um campeonato de futebol, de “super-veteranos”. A idéia pegou, foi se
espalhando e, após uma barulhenta reunião na praça da Basílica, criou-se uma
comissão organizadora, formada por alguns senhores mais bem articulados, que
tinham sido gerentes de empresa, chefes de venda e, mesmo, alguns veteranos
jogadores de futebol.
Os primeiros itens do
regulamento que então se redigiu, diziam respeito à fixação da idade mínima em
sessenta anos, e a apresentação de um atestado médico recente, que garantisse a
integridade física de seu portador, ressaltando sua capacidade de se submeter a
grandes esforços e intensas emoções. Para cumprir todas essas formalidades,
gastaram-se umas duas semanas. Na primeira reunião oficial do campeonato,
formaram-se os oito times que disputariam o campeonato, com seus respectivos
reservas, tendo sido acordado o sistema de eliminatória simples.
Com
entrada grátis, o primeiro jogo, num belo domingo de sol, bateu o recorde de
espectadores, com uma torcida vibrante. Avisado da peleja, o Centro Médico da
cidade, por ordem expressa do Prefeito, colocou uma ambulância na porta do
estádio, já se sabe por quê. Antes do início do jogo, dois jogadores
desistiram, um porque destroncou o pé, ao praticar mogangas (que ele chamava de
aquecimento), outro porque os calos “chiaram”, quando submetidos à dureza da
chuteira. Dos que entraram em campo, um foi impedido, pelo juiz. Estava alegre
demais, falando palavrões e desacatando os adversários. A “comissão antidoping”
logo constatou que, no caminho para o estádio, ele fizera paradas estratégicas
em vários bares, comemorando antecipadamente sua estréia em campo. Por falta de
um bafômetro, não foi possível medir o teor alcoólico do acusado. Os amigos
trataram de acomodá-lo num canto do estádio, apesar de seus protestos, e lá
ficou ele, balançando de um lado para outro, proferindo um palavrório de baixo
calão.
O apito
inicial do prélio foi saudado com palmas e vivas pela torcida. Todos os
jogadores começaram com muita energia, mas logo nos primeiros quinze minutos, o
ânimo começou a arrefecer, assumindo a partida um ritmo mais lento. Muitos
aproveitaram as freqüentes interrupções para sentar um pouco e recuperar o
“gás”, antes de continuar a peleja. As interrupções eram causadas pelas
substituições de jogadores. Demoravam um pouco, porque o “técnico” fazia
questão de explicar ao jogador que entrava, a sua tática de jogo, as precauções
que ele devia tomar, os pontos fracos e fortes do time adversário, do que resultava
uma discussão, tanto por alguma discordância do jogador, como pelos palpites de
alguns circunstantes. E foram muitas as substituições, causadas por “pontadas”
suspeitas na altura do peito, falta de ar, pressão alta, dor no baço. Lá pelas
tantas, o juiz “convidou” um dos jogadores a se retirar, em virtude de uma
descontrolada flatulência, o que perturbava os companheiros. Com todos esses
incidentes, esvaziaram-se os bancos de reservas. Desfalcados, os times em
disputa terminaram o jogo praticamente com os dois goleiros e as respectivas
defesas. Depois do jogo, seguiu-se uma garimpagem no campo, para catar óculos,
aparelhos de surdez e dentaduras perdidas, acompanhada de uma tumultuada
conferência, para ver quem era dono do quê.
Aos
trancos e barrancos, o campeonato prosseguiu, nos domingos seguintes, trazendo
ao estádio uma torcida cada vez mais vibrante e agressiva. O sadismo de alguns
assistentes era recompensado pelas contínuas “baixas”, causadas por acesso de
lumbago, artroses, comichão na próstata, fibrilação ventricular, câimbra e até
um caso de fratura. Os enfermeiros se esfalfavam no trabalho de retirar os
“desistentes” do gramado. Para dar continuidade aos jogos, permitiu-se que os
times vencedores, todos desfalcados, conchavassem os jogadores dos times
eliminados para completar sua equipe.
Assim mesmo, apesar de
restarem poucos jogadores em pé, no final do campeonato, todos na cidade
concordaram que nunca houve antes um campeonato com tantas emoções. A entrega
dos troféus e medalhas foi uma tarde de gala, com fogos e rojões, sem esquecer
o minuto de silêncio, em homenagem aos que se encontravam no hospital. Também
na cerimônia da entrega das medalhas houve uma baixa: o chefe da comissão
organizadora, eufórico com o sucesso do campeonato, não suportou a emoção e foi
recolhido ao hospital, com fortes dores no epigastro.
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