domingo, 19 de maio de 2013

UM CAMPEONATO INESQUECÍVEL - CONTO


  
                                                                                                                                                                                                                                      
As noites silenciosas, a tranqüilidade das ruas e a bonomia de seus habitantes, fizeram de Iguape a cidade preferida pelos aposentados. Além das vantagens da própria cidade, há a proximidade do mar, um rio piscoso e belas paisagens da Mata Atlântica. Num rápido passeio pela cidade é possível verificar o grande número de “coroas”, passeando à beira do Valo Grande e baixada do Mar Pequeno, ou proseando pelas esquinas, nos bancos da praça e no murinho da Basílica.
De conversa em conversa, certo dia, um desses aposentados, entusiasta dos esportes, sugeriu a idéia de promover um campeonato de futebol, de “super-veteranos”. A idéia pegou, foi se espalhando e, após uma barulhenta reunião na praça da Basílica, criou-se uma comissão organizadora, formada por alguns senhores mais bem articulados, que tinham sido gerentes de empresa, chefes de venda e, mesmo, alguns veteranos jogadores de futebol.
Os primeiros itens do regulamento que então se redigiu, diziam respeito à fixação da idade mínima em sessenta anos, e a apresentação de um atestado médico recente, que garantisse a integridade física de seu portador, ressaltando sua capacidade de se submeter a grandes esforços e intensas emoções. Para cumprir todas essas formalidades, gastaram-se umas duas semanas. Na primeira reunião oficial do campeonato, formaram-se os oito times que disputariam o campeonato, com seus respectivos reservas, tendo sido acordado o sistema de eliminatória simples.
        Com entrada grátis, o primeiro jogo, num belo domingo de sol, bateu o recorde de espectadores, com uma torcida vibrante. Avisado da peleja, o Centro Médico da cidade, por ordem expressa do Prefeito, colocou uma ambulância na porta do estádio, já se sabe por quê. Antes do início do jogo, dois jogadores desistiram, um porque destroncou o pé, ao praticar mogangas (que ele chamava de aquecimento), outro porque os calos “chiaram”, quando submetidos à dureza da chuteira. Dos que entraram em campo, um foi impedido, pelo juiz. Estava alegre demais, falando palavrões e desacatando os adversários. A “comissão antidoping” logo constatou que, no caminho para o estádio, ele fizera paradas estratégicas em vários bares, comemorando antecipadamente sua estréia em campo. Por falta de um bafômetro, não foi possível medir o teor alcoólico do acusado. Os amigos trataram de acomodá-lo num canto do estádio, apesar de seus protestos, e lá ficou ele, balançando de um lado para outro, proferindo um palavrório de baixo calão. 
        O apito inicial do prélio foi saudado com palmas e vivas pela torcida. Todos os jogadores começaram com muita energia, mas logo nos primeiros quinze minutos, o ânimo começou a arrefecer, assumindo a partida um ritmo mais lento. Muitos aproveitaram as freqüentes interrupções para sentar um pouco e recuperar o “gás”, antes de continuar a peleja. As interrupções eram causadas pelas substituições de jogadores. Demoravam um pouco, porque o “técnico” fazia questão de explicar ao jogador que entrava, a sua tática de jogo, as precauções que ele devia tomar, os pontos fracos e fortes do time adversário, do que resultava uma discussão, tanto por alguma discordância do jogador, como pelos palpites de alguns circunstantes. E foram muitas as substituições, causadas por “pontadas” suspeitas na altura do peito, falta de ar, pressão alta, dor no baço. Lá pelas tantas, o juiz “convidou” um dos jogadores a se retirar, em virtude de uma descontrolada flatulência, o que perturbava os companheiros. Com todos esses incidentes, esvaziaram-se os bancos de reservas. Desfalcados, os times em disputa terminaram o jogo praticamente com os dois goleiros e as respectivas defesas. Depois do jogo, seguiu-se uma garimpagem no campo, para catar óculos, aparelhos de surdez e dentaduras perdidas, acompanhada de uma tumultuada conferência, para ver quem era dono do quê.
        Aos trancos e barrancos, o campeonato prosseguiu, nos domingos seguintes, trazendo ao estádio uma torcida cada vez mais vibrante e agressiva. O sadismo de alguns assistentes era recompensado pelas contínuas “baixas”, causadas por acesso de lumbago, artroses, comichão na próstata, fibrilação ventricular, câimbra e até um caso de fratura. Os enfermeiros se esfalfavam no trabalho de retirar os “desistentes” do gramado. Para dar continuidade aos jogos, permitiu-se que os times vencedores, todos desfalcados, conchavassem os jogadores dos times eliminados para completar sua equipe.
Assim mesmo, apesar de restarem poucos jogadores em pé, no final do campeonato, todos na cidade concordaram que nunca houve antes um campeonato com tantas emoções. A entrega dos troféus e medalhas foi uma tarde de gala, com fogos e rojões, sem esquecer o minuto de silêncio, em homenagem aos que se encontravam no hospital. Também na cerimônia da entrega das medalhas houve uma baixa: o chefe da comissão organizadora, eufórico com o sucesso do campeonato, não suportou a emoção e foi recolhido ao hospital, com fortes dores no epigastro.

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