quinta-feira, 23 de maio de 2013

FICÇÃO REGIONAL

                                      EU SÔ DE PAZ
Tem uns que dizem que sô ruim, sô ruim nada, eu sô de paz, os otro é que me inquizilham. Já por isso mudei de Riberão. Lá eu tava bem até num ponto, quando aquele besta do Raimundo me chamô de bunda suja, no meio dos otro, na roda de pinga, no bar do Severino. Retruquei o disaforo, ele me xingô, aí virou tudo na bagunça, intramo no aloite, os otro quisero separá, mas nem pudiam, que tavam tudo bebo. Raimundo que era forçudo me grudô no gasganete, mas eu, que não sô troxa, ando co meu furadô de tripa escundido na cintura, já na primera catucada estiquei ele no soalho. Aí, vai que não vai, pega daqui, cuidado dali, fugi de com pressa, passei em casa, garrei a mulhé e uma troxa e sumi no canaviá. Só parei em Sertãozinho, no ponto de condução, me acertei no rumo e fui prá Iguape, bem longe da confusão, que eu sô de paz.
Em Iguape tava quaje tudo bem, me arranchei no Mumuna, fazia uns treco de trabaio cos sitiante de perto, me defendia numa caça de mundéu, nuns parmito, mandioca, milho. Digo quaje tudo bem porque a mulhé, já nos premero dia, vivia me apurrinhando, desacorçoada, quero vortá, não vai vortá, mas eu quero, não vai, até que preguei um tapa na fuça dela, pra ela pará. Pois a capeta não só não parô como veio pra cima de mim cuma garrafa, eu me cisquei de lado, garrei uma mão de pilão que tava de jeito, reboleei no ar e acertei na tampa da cabeça dela. Foi um gorpe só, ela caiu estrebuchando e eu dexei ela no chão e fui descansá um poco, que a lida tinha sido dura. Puxei um cuchilo e, quando acordei, ela já tava friinha, pois não é que aí até que gostei dela, tadinha, ali, esticadinha, quietinha, carminha, mainga, então me dei tento que só tinha uma enxada pra fazê o buraco pra mode enterrá aquela cristã. Foi uma trabalhera danada, mas deu tudo certo, fiz uma covinha manera, que ela merecia, meio braba, mas artera, inventiva, dando jeito nas coisa, pra gente não tê pobrema. Mas enfim, as coisa acontece, eu tive que fazê o que fiz, não provoquei nada, só me defendi da garrafa, não quiria briga, que eu sô de paz.
 As coisa continuaram, tava carecido de mulhé, mas o resto tava tudo bão, falei, com quem preguntô, que minha mulhé tinha vortado pra Riberão, me acompanharam na tristura, tomando uns copinho de pinga no buteco do Mané. Mas é sempre assim, quando tudo vai bem, o dianho atenta. Eu tava numa tarde cochando umas corda pra consertá o cabo da rede de dormi, daí me aparece a Dindica, mulhé do Sabino, que morava lá perto do rio. Veio cuma oferta de biju, pro meu café, dizia, e eu até que fiquei alegre no premero momento, mas intão me assustei, quê qué isso, a mulhé dos otro me bajulando, é poca coisa, mas dado é dado, eu aceitei, mas tão duvidoso que até isquici de convidá ela pra intrá. Ela riu, assim meio de lado, com aquele jeito de mocinha buliçosa, mas só me dei conta de que aquilo tinha remexido um treco no baxero, quando ela já tava longe.
Na sigunda veis que veio com otra oferta, uns pedaço de cuscuz, eu já tava mais conforme e até conversei mais carmo com a Dindica. Sabia do risco, que essas coisa com mulhé dos otro dão pendenga, mas seja o que Deus quisé, eu não tinha pidido nada, foi ela que veio. Aí, então, eu não me esquivei do maneroso e convidei ela pra intrá e até sentemo num banquinho, conversando um tantico. Vai que vai, aquele risinho nos beiço, as remexida no baxero, não deu pra agüentá, logo, logo, nós tava se rolando por cima da rede que tava de jeito, no chão do rancho. Não quero me gabá, mas quando ela foi simbora eu vi no zóio dela a promessa de vortá. Na minha cabeça, a sastifação brigava coa vontade de não tê mais increnca na vida, que eu sô de paz. Mas entreguei tudo pro destino, que nas coisa da vida a gente manda muito poco.
E foi indo assim, uns bolinho de parmito, umas banana-da-terra frita e nós dois se embolando na rede! Já tinha inté me isquicido da falicida e tava quaje me acustumando com aquele jeito meio escundido de tê mulhé. Vai senão quando, um dia que tomava umas pinguinha cos amigo, no buteco do Mané, uvi aquele safado do Celestino falando meio no mistério, que tinha coisa de traição pelos derredor. Me deu um arripiu na ispinha, eu nem olhei pro arrenegado, mas vi que o Sabino, que tava de pé, no lado do barcão, se mexeu disajeitado, como querendo tirá um criqué das costa. Ali eu sube que o chifrudo já tava em desconfiança, mas nem pudia maginá o avanço da notícia, que só se escrachô de veis, quando o filho da mãe do Celestino compretô sua arenga com um tiro certero:  “Gente fugido de Riberão só serve pressas coisa!”
O resto foi aquele sunsurro. Eu vi o Sabino se achegando na minha dereção, os amigo sartando das cadera, o Mané tirando as garrafa do barcão, e eu pulei de pé, que sentado não é pusição pra enfrentá confusão. O cornudo nem conversô nem nada. Eu vi o crarão da pexera e saí de banda, que a mão armada vinha direto no meu bucho. Garrei uma cadera, rodopiei ela no ar e acertei no cocuruto do traído, que caiu no chão com faca e tudo. Olhei pros lado e tava tudo abobado, na espera. Me aprumei, puxei uma nota, mostrei de longe pro Mané, pus em riba da mesa e saí direto. Só parei um poco no rancho, pra pegá umas ropa, fiz a troxa, botei nas costa, dei uma olhada de dispidida na sepurtura da mulhé e caí fora. Não ia esperá por ninguém, porque briga por mulhé só dá disgraça, eu não quiria mais quizilha, que eu sô de paz! 


                          

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